quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

RÁDIO MUDA RESISTE


A notícia nos deixa preocupados. Localizada dentro do campus, a Rádio Muda tem uma história a ser preservada. Sugiro que o grupo Violar debata sobre o tema referente à autonomia universitária. O que significa essa autonomia? Que sentido tem a universidade para nós, hoje, nesses tempos em que pensar, refletir, divulgar as diferentes formas de expressão se opõem à ser eficaz, produtivo? Convido vocês para lerem o texto escrito pelo Coletivo da Rádio Muda após a invasão da Polícia Federal. Aproveito para indicar os sites da Muda e do Centro de Mídia Independente-CMI:
muda.radiolivre.org. e www.midiaindependente.org.

Rádio Muda 3 X 1 PF+Anatel
"Nao temos nada a perder. Temos tudo."
Sun Tzu
Os Piratas nos atacaram.
Sequestraram nosso timoneiro DJ Computer.
Hoje, dia 19/02/2009, às 5 da manhã, doze Piratas Federais (PF)
saquearam todos os equipamentos do estúdio da Rádio Muda, rádio livre que
funciona há mais de 20 anos em Barão Geraldo, Campinas-SP.
Em uma ação decorrente da "Operação Silêncio", que fechou diversas
rádios em todo o país, um bando de 14 homens, 12 agentes
federais, 2 chaveiros (um para segurar a chave e outro para rodar?),
liderados por um delegado, tomaram de assalto o estúdio a mando da juíza
substituta Fernanda Soraia Pacheco Costa. Vandalizaram o estúdio, rasgaram
cartazes e confiscaram todos os equipamentos.
Nao havia nenhum mudeiro no momento da ação sórdida.
A Rádio Muda é uma rádio que não é ilegal, nem legal, é uma rádio livre,
pois, assim como inúmeras outras, não possui fins comerciais, não
pratica proselitismo religioso nem político partidário, e atua de
maneira integrada a sua vizinhança, estabelecendo uma relação de
reciprocidade através da qual quem ouve, pode falar, ou seja, todo
ouvinte é um emissor em potencial. Espalhadas pelo Brasil e pelo mundo,
essas rádios baseiam-se na legitimidade que suas comunidades e
vizinhanças lhe conferem. Atua com baixa potência e atinge apenas uma
pequena região da cidade de Campinas. Ao invés da legalidade exigida por
leis estatais que legitimam um sistema corrupto e viciado de concessão
de radiodifusão, a legitimidade deste tipo de prática deve ser protegida
como liberdade de expressão e organização local.
Qual é o papel da radiodifusão hoje?
As rádios comerciais, consideradas legais, integram o território
nacional a partir de interesses comerciais
e culturais homogeneizantes. As rádios livres, consideradas ilegais,
permitem que a pluralidade cultural seja
livremente expressa. Tudo aquilo que não encontra
espaço na lucrativa e monopolizada mídia comercial tem a possibilidade
de vazão nos meios geridos pela própria população.
Mundialmente a mídia é controlada por 10 conglomerados. 40 empresas estão
ligadas direta ou indiretamente a eles. No Brasil, 90% da mídia é
controlada por 13 famílias. Em Campinas, a RAC (Rede Anhanguera de
Comunicação) controla os principais meios de comunicação da cidade e
região.
Centenas de rádios não comerciais espalhadas pelo Brasil e pelo mundo
atuam no sentido contrário a essa situação de monopólio, reafirmando a
capacidade de toda e qualquer pessoa de produzir informação.
Rádio Livre derruba avião?
Um dos principais argumentos contra às rádios livres e de baixa potência
é que constituem séria ameaça para tráfego aéreo e a comunicação de
emergência. Porém, nunca um acidente aéreo foi causado por este tipo de
radiodifusão. Aliás, se fosse fácil assim, com umas mil rádios
comunitárias, Sadam teria vencido a invasão de Bush no Iraque.... será
que ele não pensou nisso, ou será que esta informação "técnica" não faz
o menor sentido?
Pra quem não sabe, aviões operam em uma frequência de rádio acima da
faixa de frequência das rádio FM. Para que uma rádio FM interfira nas
transmissões aéreas de rádio, é necessário primeiro que o transmissor
esteja desregulado e sem filtros. Hoje em dia, é muito comum o uso de
transmissores que possuem filtros de harmônicos e filtros passa-faixa, que
mesmo não sendo homologado pela Anatel, está dentro da máscara de
transmissão da norma brasileira de radiodifusão, ou seja, que passou por
um teste técnico no qual um analisador de espectro comprova que fora da
frequência de transmissão o sinal é fortemente atenuado, o que comprova sua
a precisão e a capacidade de não interferência de um transmissor. O
segundo fator é a potência do transmissor.
A prática mostra que as rádios livre funcionam com transmissores de baixa
potência (potências altas significam custos altos). Comparados aos
transmissores das rádios comerciais, com potências gigantes, não
representam perigo de interferência nas comunicações aéreas, mesmo com um
transmissor não perfeitamente construído. Quem tem que
cuidar da aferição dos seus transmissores potentes são as grandes rádios
comerciais, que apresentam altos riscos de interferência na comunicação
aérea!
Piratas?
Piratas são as rádios comerciais que querem o ouro!
Não estamos atrás do lucro.
Livre?
O sistema de leis estatais prevê que a organização e concessão do direito
de uso para as frequências de rádio seja realizado por um grupo de
pessoas restrito- técnicos, especialistas, políticos e grupos econômicos.
A comunicação livre não reconhece o governo como única entidade capaz de
elaborar leis e regras relativas ao funcionamento dos meios de
comunicação.
Propomos, através da prática, a apropriação e utilização de qualquer meio
de comunicação e tecnologia.
Todas as tecnologias são e deveriam ser consideradas bens universais
destinadas ao desenvolvimento humano, sua inteligência, afeto e
comunicação.
O conhecimento não pode ser aprisionado por leis medíocres que se baseiam
em interesses mesquinhos de grupos políticos e econômicos ou mesmo de leis
que não comportam a capacidade da população de produzir suas próprias
informações, a partir de meios de comunicação geridos coletivamente.
Comunicação se realiza diariamente, nos momentos mais cotidianos.
Ampliar essa comunicação de uma pessoa ou grupo através de meios
tecnológicos é uma possibilidade e prática que amplia a democracia e a
capacidade das pessoas de se comunicarem entre si: falando, ouvindo,
produzindo e questionando.
A comunicação está em todos nós, muito antes de existirem governos e leis
que a regulamentassem: livre, intrínseca, potente e transformadora.
Conclamamos todos e todas a produzirem mais e mais meios de comunicação.
Não precisamos nos submeter ao monopólio!
Nesse carnaval, sintonize-se, atue: ações pela mídia livre espalhadas pelo
território.Organize próprias ações!
A Muda não se cala!!! Voltaremos a transmitir em breve!!

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

ROUBARAM NOSSO CARNAVAL

Querido(as) Leitores(as)
Nessa terça feira de carnaval, convido vocês para refletirem sobre o texto que a profa. Edwiges Rabello de Lima escreveu sobre essa festa popular que um dia foi do povo. Hoje, capturada pelo poder do lucro, o carnaval assusta os foliões, mas enriquece aqueles que faturam às custas desse controle que se dissemina em nosso cotidiano. Deixo a questão: “segurança para quem?”.

ROUBARAM NOSSO CARNAVAL

Não vou a carnavais em ambiente privados e comerciais ou festas "populares" quando são privatizadas. Não faz sentido querer usufruir de alguma coisa que foi criada pelas populações em geral e que passa a ser fruto de lucro para uns poucos. É como se eu pagasse aluguel para vestir uma roupa que me roubaram. Não tenho estômago para isso.

Por me conhecer e por ter sido educado nesses princípios, meu neto me procura quando a diversão é para ser pública. Foi assim nesse ano de 2009. Combinamos ir assistir o carnaval de rua em Campinas, como já fizéramos anos atrás, com grande prazer, na Francisco Glicério. Ele era criança e acompanhava todas as escolas de seu início até o final da avenida, correndo de volta entre a multidão para ver o início da próxima e fazer o mesmo. Jamais esqueceu do maracatu, no qual nossos amigos desfilavam, e quando pude explicar para ele o que significavam os papéis de cada um, as vestimentas, a coreografia, a música, etc. Lembrança que ele guardou e, agora adolescente, quis ver de novo.

Chegou de viagem no sábado e recebemos visitas que queriam vê-lo, e ele a elas, para matar as saudades, no domingo. Na segunda-feira, saímos, sob chuva, para ver o carnaval de rua. Eu expliquei que havia mudado o local de apresentação, para um sambódromo. Procuramos uma explicação para que não fosse mais nas ruas e não entendemos. Mas, resolvemos ver o que seria da nova experiência.

Quando já estávamos chegando ao local, vimos umas baias (que sempre me lembram cavalos) e pessoas amontoadas do outro lado delas. Fomos nos aproximando e essas pessoas fecharam as saídas das baias. Algumas vestiam capas de chuva, azuis transparentes, iguais às que estavam sendo vendidas nas ruas pelas quais passamos antes de chegar até ali, por camelôs. Sob as capas umas vestiam camisetas amarelas e outras, camisetas brancas. Essas mesmas pessoas gritavam que mulheres deveriam ficar de um lado e homens de outro. Achei que aquilo era uma brincadeira de foliões. Atravessei com meu neto por uma das baias e fomos barrados por um homem que dizia que teríamos que retornar para que fossemos revistados (apalpados e minha bolsa revistada): "as mulheres farão a sua revista e os homens farão a dele".

Fiquei perplexa. Uma moça veio e pegou no meu braço, para "me levar" até a minha devida baia. Reagi e disse que ela nem ousasse me tocar novamente. Imediatamente perguntei quem eram, pois estavam todos sem qualquer identificação. Responderam que eram "seguranças". Pedi que me dissessem de que empresa. Se recusaram a falar e disseram que isso não importava, pois foram contratados pela Prefeitura.

Continuei me recusando e exigindo que não tocassem em mim ou em meu neto. Outro rapaz se aproximou para atravessar a baia e ficou furioso, pois esse era seu caminho para chegar em casa após o trabalho, e não admitiu ser revistado.

Chamaram a Guarda Municipal, diante da nossa desobediência civil. Esses também se recusaram a dizer que empresa era aquela. Irônicos, citaram o nome de vários vereadores para que eu ligasse e registrasse minha reclamação.

Percebi que não teríamos uma noite de festa, pois festa é quando nos descontraímos para compartilhar com outros uma expressão comum. Minha única expressão era de nojo e de indignação.

Expliquei isso a meu neto e ele entendeu perfeitamente, pois lembrava de quando toda nossa família teve que enfrentar os seguranças de um hospital relapso, para salvar sua vida. Ele já sabe que essa história de segurança privada é muito questionável: asseguram os interesses de quem paga a eles.

Expliquei que apesar de sermos nós que pagávamos os impostos, os únicos que deveriam estar ganhando com essa privatização do carnaval eram os donos das empresas de segurança e outros serviços ali envolvidos.

Ele me disse que já fora revistado no Hop Hari, quando foi com a escola estadual.

Não assistimos ao carnaval, mas ele também se sentiu vivo por termos nos recusado a essa situação absurda. Apesar de triste, me senti orgulhosa do jovem que também preferiu ir por um caminho mais longo para sua casa, para não se curvar a essas atitudes arbitrárias do nosso governo municipal.

Estão instalando câmeras de vídeo nas escolas estaduais; todos estão sendo educados pelo BBB para um sociedade de vigilância 24h; as pessoas se acostumaram a ser revistadas por seguranças privados em bancos, locais de diversão, etc., sem saberem quais são seus direitos. Quem são os ladrões mesmo?

(Edwiges Rabello de Lima)

domingo, 22 de fevereiro de 2009

PRIMAVERA.

a primavera é quando ninguém mais espera
a primavera é quando não
a primavera é quando do escuro da terra
ascende a música da paixão
a primavera é quando ninguém mais espera
e desespera tudo em flor
a primavera é quando ninguém acredita
e ressuscita por amor.

PRIMAVERA: Zé Miguel Wisnik
do CD "Pérolas aos poucos".

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

VIDEO CLIPE "MELÔ DO CANSEI".

Nesse feriado de carnaval, faço um convite a todos e a todas para ouvirem a música do Video Clipe "Melô do Cansei", também conhecido pelo nome de "Classe Média". Max Gonzaga e sua banda conseguem juntar arte, humor e crítica social.
O endereço:
Um ótimo descanso/divertimento para vocês.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

GOMORRA ESTÁ AQUI.

Estreando nos cinemas Gomorra chega para sujar o imaginário da máfia italiana. Como bem indicou a revista Bravo deste mês, não é mais o Glamour e o charme de um Poderoso Chefão, com um Don Vito Corleone que definiu até como os mafiosos falariam depois de seu lançamento. Não são mansões ou piscinas cheias de lindas gatinhas. Não mais carros vermelhos e arruaças impunes. A máfia de Gomorra (corruptela para Camorra, o nome da máfia mais influente agora) está sempre à sombra, sempre em apartamentos pequenos e sujos, feios, decrépitos. Mas não por isso menos atuante, mortes por encomenda, controle de áreas para tráfico, arregimentação de novos membros etc.
Mas é outro o filme que vêem à lembrança ao assistir Gomorra. Um outro que também apresenta vidas desperdiçadas, que pouco perderiam em atirar-se a um precipício, e pouco ganhariam ficando inercialmente onde estão. Paradise Now de 2005 colocava-nos frente a dois jovens, desempregados, perdidos, perdidos para si e para o mundo, a eles pouca diferença faria morrerem ou ficarem em um simulacro de vida. Optam, sem fazer uma "opção", por ser homens-bomba, e atacar do modo possível aquilo que lhes parece e lhes é apresentado como o inimigo. O final do filme, um dos melhores já feitos no cinema, diz tudo sobre a possibilidade de mudança. Silêncio, no hay banda, silencio.
Os jovens de Gomorra morrerão. Como cartas num baralho sempre renovável, morrerão. Adiantaria viver para quê? E adiantaria morrer pelo quê? Vistos os filmes em seqüência cronológica de lançamento, temos menos alternativas ao final. O Palestino morria por algo idealizado, um paraíso deslumbrante e a citação no livro dos mártires. Os italianos morriam "porque sim". Ter um ideal ou não nada muda, morrer pelo paraíso, por Deus ou por uma moto potente não muda nada. Não se defende o idealismo, apenas se reafirma que o niilismo destroça mais eficazmente ao não se ter nada para agarrar. Ao perder-se tudo, pode-se ao menos morrer. Ao não ter nada, nem isso.
Não é casual que o título Gomorra se sobreponha ao nome da máfia, é fácil pensar na cidade destruída por Deus. Não havia um só piedoso a ser salvo, não havia remédio que não a purgação no mundo dessa cidade-pecado. Mais uma idealização, a sabedoria bíblica versus o mundanismo niilista, poderíamos pensar que os que morrem pelo deus cristão estão a salvo...
Gomorra está aqui.
(Albor Vives Reñones, pesquisador do grupo Violar)

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

VIOLEIROS EM AÇÃO.

Gostaria de parabenizar a Maria Teresa de Arruda Campos que assumiu o cargo de Superintendente do Arquivo Público de Rio Claro. Vocês poderão acompanhar as atividades da Teresa e da sua equipe através do blogue, cujo endereço encontra-se nesta página.
A Adriana Dezotti Fernandes retornou do Fórum Social Mundial - Belém. No seu blogue "Sonhos de Alamanda", nos brinda com uma bela poesia, resultado da intensa experiência vivida junto a povos de diferentes nações, todos muito preocupados com os rumos do nosso planeta, principalmente no que se refere à concentração de renda e ao extermínio de todos os que não são absorvidos pela lógica perversa do sistema financeiro mundial.
Parabéns moçada.

sábado, 7 de fevereiro de 2009

OS MESTRES ERRANTES, OS ALUNOS E A ESCOLA

Silvia Duschatzky, socióloga argentina e coordenadora do programa de pós graduação em Gestão das Instituições Educativas da Faculdade Latinoamericana de Ciências Sociais (FLACSO), escreveu, juntamente com outros autores, um livro belíssimo intitulado “Maestros Errantes”. Publicado pela Paidós, em 2007, os artigos relatam experiências e fazem reflexões muito ricas sobre um projeto que envolve algumas escolas situadas na periferia da cidade de Córdoba.
Para essa equipe, o mestre errante é aquele que pensa a partir de situações concretas, conectando-se não com um escola ideal, mas com os diferentes mundos que se apresentam no espaço escolar. Modos de ser, violências, perturbações o impulsionam a explorar novas formas de se relacionar com os alunos, com os colegas, com a administração institucional.
A vida errante não seria um deambular inerte, ou feito ao sabor dos acidentes, das intempéries, porque implica numa disposição ativa para tomar o que irrompe e agenciar algo em torno do que acontece no que irrompe, do que acontece nos acidentes, nas intempéries.
O mestre errante procura gestar as condições para que seu ofício tenha lugar. Quando isso ocorre também há (um) lugar para o inesperado (e as crianças podem aprender mais e melhor).
A subjetividade errante (do mestre) sai das coordenadas do molde para afirmar-se em um andar exploratório.
Enquanto a moral pedagógica não interroga, ou expulsa, ou submete o deambular a espaços controladores; a posição ética do mestre errante opera de modo a transformar o deambular disperso em um estar agrupado, ou melhor, a um estado de conversação.
Fundamentados nas obras de Gilles Deleuze, os professores dessas escolas consideram que:
indivíduos ou grupos são feitos de linhas de diversas naturezas: as duras (que tendem a fixar de modo mais estável certas coordenadas da vida); as flexíveis (que esboçam pequenas modificações e desvios); as linhas de fuga (que nos empurram para momentos nos quais logramos um maior impulso de criação).
Para mim, a parte mais instigante do texto é quando a profa. Silvia destaca, em seu artigo, a importância dos professores/investigadores não se focarem na “transgressão” do instituído, mas sim na capacidade de operar mediante micromodulações. A idéia, diz ela, não é deter-se na medida pontual, mas ver ali uma operação que nos permita pensar em escolas modulantes mais que em moldes institucionais. A modulação, diferente do molde, implica a possibilidade de conferir a uma matéria viva diferentes formas, em virtude de considerar o potencial da situação. Os micropoderes não são micro porque acontecem em uma escola, em uma aula, ou na cabeça de um mestre. São micro poderes porque afirmam o poder da multiplicidade, da potência da heterogeneidade das práticas. Não se trata de afirmar uma postura romântica em torno destes micropoderes senão de captar a força política de certas modalidades de ação.
Um exemplo é o do aluno Martin. Onze anos, repetente, acusado de roubos, violento, bate nos colegas, ameaça professores. Uma das professoras sugere passá-lo para o sexto ano. A diretora concorda. Em pouco tempo Martin incorpora-se ao grupo, realiza as atividades do sexto ano com desembaraço e ajuda colegas com dificuldade.
Não se trata, afirma Silvia, de acabar com as configurações segundo padrões de idade, rendimento e passagens evolutivas e sim de dar abertura para a espacialização de uma experiência. A esta disposição, a equipe de Córdoba chama de vitalismo, traço principal desta subjetividade errante.
O território dos professores é, em princípio, a escola, mas o território dos mestres errantes é as crianças. Por isso mesmo, em Córdoba, o espaço de intervenção não está definido pelas fronteiras institucionais senão pelos circuitos que atravessam as crianças.
A frase de uma aluna: La escuela habla y habla de la droga, del embarazo, y mirá: Lucía está embarazada, indicou para os professores/investigadores que a escola permanece em um estado de ingenuidade, porque não dizer de cegueira, em relação às turbulências vividas pelas crianças.
Essas formas de conexão com o mundo dominadas pela representação de sujeito, de tempo, de sociedade, de vida nos situam em uma relação de exterioridade com respeito às dinâmicas reais, e o resultado disso, em geral, é uma projeção indevida de nossos pressupostos.
O contato com as crianças ao invés de produzir a passagem para formas de compreensão que habilitem fraturas, brechas múltiplas, armam diques imunizantes que nos isolam em solidão. Quando o medo de nos conectarmos com o mundo, em sua condição de forças que nos afetam, governa as respostas, o que emerge é uma fatiga que nos desconecta. A fragilidade e a vulnerabilidade são depreciadas ou não ouvidas em favor de restituições tranqüilizadoras. A distância então é o melhor antídoto.
Drogas, gravidez....Se de um lado, há corpo, sensações corrosivas, do outro, há pura representação, excesso discursivo, saturação de sentido. Então, não há encontro.
O mestre errante tem lugar na medida em que está disposto a se deixar tomar por um outro regime de visibilidade e experiência. Mas, deixar-se tomar por outros universos não é fundir-se neles senão dispor-se a pensar o que ainda não temos pensado.
A escola, ou melhor, suas linguagens constitutivas, se situam comodamente em uma perspectiva representacional desacoplada da dimensão sensível.

DIMENSÃO POLÍTICA DA ERRÂNCIAO terreno atual da errância é pos estatal, mas não por ausência de Estado senão em virtude de uma reorganização da maquinaria de poder que opera além dos dispositivos de sujeição, colocando a vida como território de domínio e controle. Os mecanismos de domínio são imanentes a todo o campo social e convertem cada um em uma fonte soberana dos comportamentos e em formas de conexão social. Os mestres enfrentam um estado de perturbação próprio de um tempo dominado pela lógica de mercado.
O que se propõe não é um pensar alternativo: disciplinamento versus formas libertárias. Mas sim, um intento de configuração no vazio da experiência instituída. Nem marginalidade, nem repressão, senão certa sensação de intempérie. Há Estado, há programas e projetos de gestão estatal, mas a cotidianidade nas escolas não logra ser tomada por suas lógicas. Os sujeitos que habitam as escolas vão inventando ou reconhecendo práticas não legitimadas pela gramática instituída e, deste modo, suplementam o que as próprias instituições não podem produzir nas coordenadas herdadas. Não se trata de apelar ao voluntarismo dos mestres errantes para que resolvam o que os dispositivos tradicionalmente instituídos ou os intentos regulatórios de gestão estatal não podem resolver, mas de conferir à errância a potência política de uma prática. Isto é, reconhecê-la como força produtora de valor social.
A subjetividade docente se assemelha mais com a tarefa de um cartógrafo que com a de um funcionário ou agente do Estado.
O mestre errante, operando à maneira de um cartógrafo, se conecta com aquelas intensidades que podem assumir alguma forma de expressão. O procedimento cartográfico não está preocupado em buscar as causas pelas quais Martin (o menino que passou do quarto para o sexto ano) não lê, nem escreve no quarto ano, mas toma tudo o que pode ser útil a ele para fazer que uma intensidade encontre múltiplas formas de expressar-se. O mestre errante, que funciona à maneira de um cartógrafo, está atento à constituição de territórios existenciais, à criação de “mundos habitáveis”. O mestre errante é o efeito de um deslocamento do que podemos chamar de núcleos de problematização. Vê o que se converte em um problema, ou melhor que o inquieta a ponto de ser impulsionado não a pensar em abstrato senão a elaborar um pensamento necessário.
A errância se torna uma experiência política quando podemos tomar a precariedade como plataforma de pensamento de novos modos de relação social. A construção de um “mundo” na precariedade politiza a experiência errante. Não há novos núcleos de problematização se não houver novas subjetividades. O mestre errante não segue um protocolo normativo, o que define seus movimentos é um tipo de sensibilidade. Essas novas subjetividades são o efeito de novos regimes de ver, sentir e produzir. O que faz o mestre errante é trabalhar na tensão entre suas representações e a força dos fluxos viventes. O mestre errante tenta tomar esses fluxos e fazê-los consistir em alguma configuração. Não sabe exatamente para onde vai, nem do que se nutre, mas se arroja no ensaio de estratégias variadas para tornar possíveis formas de composição que, ainda que fugazes e frágeis, põem em marcha uma máquina desejante de produção de um nós, de um agenciamento coletivo.
O mestre cartógrafo não ocupa um espaço para depois realizar tarefas, senão que constrói geografias ao mesmo tempo que as pensa.
Não se trata de “cuidarmos de”. Os cuidados emergem como práticas orientadas à gestão e sustentação da vida, mas nada têm a ver com uma política de tutela que só vitimiza seus destinatários. Trata-se de uma prática que enlaça sujeitos e se produz em situação.
A errância corre o risco de acontecer no pequeno grupo e esgotar-se no esforço de algumas individualidades. O atributo político da errância se radica na produção de um comum na ausência de uma comunidade substantiva. Haverá portanto que imaginar sua influência nos jogos de governabilidade. Não se trata simplesmente de tolerar movimentos autônomos, senão de pensar como os micropoderes podem atravessar os sistemas de valoração educativa e os mecanismos de intervenção do Estado que, sem ser Estado-nação, é portador de um conjunto de recursos (financeiros, técnicos, estratégicos) necessários para a potenciação de práticas emergentes.
Dado que a realidade não pré-existe a seus enunciados, trata-se de pensar, por um lado, como fazer para que estes processos de singularização ganhem consistência e expressão em múltiplos planos – textos, práticas, experiências diversas – e, por outro, como pensar os atravessamentos destes movimentos moleculares naqueles sistemas de referência e valoração que impregnam políticas, agendas e dispositivos de regulação educativa.

CONCLUINDO
Queridos leitores e queridas leitoras, eu sei que esse texto dá o que pensar... Vou me atrever a deixar com vocês algumas questões que aliás também foram deixadas pela profa. Silvia por ocasião de nossa conversa no grupo Violar, em 19 de agosto de 2008.
- O que pode uma escola?
- O que vemos?
- Qual a fertilidade em falarmos do esgotamento das instituições educativas?
- Como as “intempéries” podem se converter em outra coisa? Como algo que nos oprime pode se transformar em uma potência, em uma capacidade inventiva?
- Que potência tem os “laboratórios de gestão de pensamento” dentro de uma escola? Como fazê-los funcionar? E em que sentido?
- Como a “precariedade” politiza a experiência? Buscar interlocutores, buscar com as crianças outros modos de vida, podem politizar a experiência; podem nos fazer donos de um projeto do qual fazemos parte?
Vamos pensar?