segunda-feira, 30 de março de 2009

E POR FALAR EM VIOLÊNCIA...


Tenho acompanhado relatos de muitos professores da rede estadual de ensino que expressam total descrença pelo trabalho desenvolvido em sala de aula. Alunos que não respeitam ninguém, digladiam-se, atacam, depredam, roubam, não se esforçam por aprender. É para poucos que os professores mais idealistas tentam dar suas aulas.
Conversando com o Zé Pastre sobre essa situação, ele me disse que suas crônicas têm como inspiração os acontecimentos vivenciados por ele, por alguns alunos e colegas professores que trabalham em escolas públicas. Para ele, o modo como colocamos as questões é fundamental, pois nos abre possibilidades ou não de respostas. Por exemplo, se pergunto "como ser um bom profissional nestas condições?" é uma coisa; mas se pergunto "o que estamos fazendo aqui?" a questão é outra, a questão vai mais além!
Será que existe solução apenas "técnica" para os problemas que estamos vivendo? Ouvindo todas as queixas dos seus colegas, Zé Pastre entende que o que muda é a nossa relação com o que acontece. Ele sente que há uma tendência a viver o tempo como decadência: tudo no passado era melhor. Isto não é verdade. E, para aguçar nossa reflexão, Zé Pastre se reporta a Merleau-Ponty, para quem não há solução para os problemas humanos, nenhum meio de eliminar a transcendência do tempo, a separação das consciências, que podem sempre reaparecer e ameaçar nossos engajamentos, nenhum meio de verificar a autenticidade de nossos engajamentos, que podem sempre, em um momento de fadiga, nos aparecer como convenções fictícias. A existência é a decisão pela qual entramos no tempo para aí criar nossa vida. Entrar no tempo é ter uma disposição ativa para agenciar algo em torno daquilo que nos ameaça, que nos distancia das múltiplas possibilidades de atravessarmos programas e projetos por invenções e práticas não legitimadas pela gramática instituída.

domingo, 29 de março de 2009

RELATOS DE UM PROFESSOR ESGOTADO

Queridos(as) Leitores(as).
Hoje, José Luis Pastre escreveu a crônica II: "Memória de um intervalo".

Entre fendas e rachaduras parece que é nos intervalos que as coisas acontecem! É nos intervalos que tudo escapa ou tudo pode desmoronar! Certa vez Zenão presenciou um pequeno acontecimento que disparou nele uma série de questões. Isso foi em certa manhã. Havia dado o sinal para o início das aulas e ele subia as escadas em direção às salas juntamente com duas colegas professoras, por coincidência, duas professoras de química. Uma delas estava voltando a trabalhar naquele dia depois de uma semana de licença, pois o pai havia falecido na semana anterior. Subiam lentamente as escadas. A professora subindo os degraus com seu corpo frágil, e Zenão e a outra colega acompanhando-a com poucas palavras. Ao terminarem de subir os degraus, encontraram os alunos, em sua alegria plena de encontrar-se com os colegas nos momentos em que antecedem as aulas, e três alunas, da classe em que a professora – cujo pai havia falecido – ia dar a primeira aula naquele dia, vieram ao encontro deles e disseram para a professora: “Ah professora, a senhora veio?!”…
Esse tipo de pergunta era comum. Às vezes alguns alunos a faziam para alguns professores, quando estes apareciam na sala – e acabavam com a esperança dos alunos de que algum professor tivesse faltado. Se isto ocorresse, isto é, se algum professor, ou professora, tivesse faltado, eles poderiam ir embora mais cedo, ou então ficar ouvindo música e conversando no pátio da escola. No entanto, às vezes, esse tipo de pergunta podia ter outro sentido, não ser apenas um lamento, mas uma forma de brincadeira, expressando certo estado de humor e de alegria na relação entre professores e alunos. Isso acontecia quando havia certa aproximação, certo tipo de afetividade, na relação. Alguns professores também faziam este tipo de pergunta: “Ah vocês vieram?!”... Algumas vezes era também um lamento que alguns professores partilhavam entre si, principalmente em final de bimestre, ou feriados prolongados: “Ah o pessoal da 8ª D está todo aí! Pensei que fosse poder terminar de corrigir as provas!”.
Mas aquela pergunta, naquele momento! A professora estava passando por uma situação difícil com a morte do pai e Zenão não sabia qual poderia ser sua reação, temia que aquela pergunta pudesse aumentar ainda mais o seu sofrimento. Além disso, havia certo tom ambíguo na pergunta daquelas jovens e Zenão não tinha certeza se a professora tinha uma boa relação com elas. Os professores foram pegos de surpresa! No entanto, diante daquela pergunta, na ambiguidade de seu tom, mistura de interrogação com exclamação, seus olhares se cruzaram e a professora, na sua fragilidade e com humor, respondeu: “Ah, vocês também vieram?!” E todos se olharam novamente, riram e foram trabalhar. A professora foi acompanhada pelas alunas que a ajudaram a carregar seu material.
Daquele pequeno intervalo entre a pergunta, mistura de humor e ironia, que às vezes alguns alunos costumam fazer, e a resposta, que devolvia a pergunta, mistura de dor e alegria, várias questões emergiram na cabeça de Zenão. Não que nunca tivesse pensado naquelas questões, é que naquele intervalo elas foram tomadas por outra intensidade e lançaram Zenão a uma procura: O que estavam fazendo ali? Por que não tinham todos, alunos e professores, fugido, ido para outro lugar qualquer? E se estavam ali, como usavam aquele tempo de suas vidas, naquele espaço da escola? Tempo de trabalho? Tempo de estudo? O que acontece neste intervalo de tempo que passamos na escola? Mas a escola é um intervalo? O que acontece neste intervalo?

quarta-feira, 18 de março de 2009

OLHAR SOCIOLÓGICO

Olá, não deixem de acessar o blogue da Edwiges Rabello de Lima chamado Olhar Sociológico. Professora da Rede Estadual de Ensino em Campinas e Jaguariuna, Edwiges nos apresenta uma Sociologia viva, problematizadora e instigante para os jovens alunos.

segunda-feira, 9 de março de 2009

O SAMBA DA MAIS VALIA

Queridos Leitores e Queridas Leitoras.
O Samba da Mais Valia foi criado por Sérgio Silva e gravado no início de 2005. Sucesso carnavalesco e ouvido nas Rádios Livres de vários lugares do mundo este samba pode ser divulgado nas escolas, principalmente por professores de Sociologia ou por quem estiver trabalhando com essa temática. Onde encontrá-lo: www.youtube.com ; em busca, digitar:
Samba da Mais Valia.

segunda-feira, 2 de março de 2009

RELATOS DE UM PROFESSOR ESGOTADO

Queridos(as) Leitores(as)
José Luiz Pastre é professor da Rede Estadual de Ensino, doutorando do Programa de Pós Graduação da Faculdade de Educação da Unicamp e pesquisador do grupo Violar. A partir de hoje, ele passará a escrever crônicas no meu blogue. Essas crônicas receberão o seguinte título “Relatos de um professor esgotado”. Esses relatos abrigam um conjunto de memórias contadas por um personagem virtual, porém real, chamado Zenão. Trata-se de situações vividas enquanto trabalhava em escolas públicas e que, de algum modo, o impressionaram. Aqui, o esgotamento não tem nada a ver com cansaço. Tem mais a ver com busca, com procura...
Hoje, ele nos brinda com a Crônica I: Memória de um Drama.


Para cantar é preciso primeiro abrir a boca.
É preciso ter um par de pulmões e
um pouco de conhecimento de música.
Não é necessário ter harmônica ou violão.
O essencial é querer cantar.
Isto é, portanto, uma canção.
Eu estou cantando.

Henry Miller – Trópico de Câncer


Crônica I: Memória de um drama: Foi uma manhã de uma terça-feira de novembro de 2005. Tinham acabado de sair da sala da direção. Zenão lembra-se vagamente das palavras de Clarice, aluna do 3c, enquanto subiam a escada, era algo como “Professor não desista!”, querendo dizer “Não fraqueje!”, “Não se arrependa de ter nos apoiado!”. Já na sala, enquanto ele recolhia seu material de trabalho, pois havia dado o sinal para a troca de professores, Pagú entrou, sentou-se numa carteira, abaixou a cabeça, mas logo em seguida a levantou, com os olhos cheios de lágrimas! Ele se aproximou, seus olhares se cruzaram, e ela simplesmente lhe disse: “Nós conseguimos!”. Ele, ainda atordoado pelos acontecimentos, fez que sim com a cabeça. Havia naquelas lágrimas, naquelas palavras, uma força e uma alegria. Aqueles alunos tinham acabado de ser ameaçados de serem expulsos da escola porque escreveram um jornal-panfleto em que expunham suas idéias, suas críticas, a respeito da escola. Zenão se lembra que enquanto eram ameaçados de serem expulsos, permaneciam impassivos diante da “paranóia delirante”: “Estão tentando derrubar a direção!?”. Quando diante da diretora, perguntou se ela já havia lido o jornal, ela disse que não, mas aquelas baratas na capa... Além disso, eles mudaram o nome da escola de “Oliveira” para “Sujeira”, e ela se matando para manter a escola limpa para eles. Zenão tentou explicar que a barata era uma metáfora Kafkaniana (foi o que lhe veio na hora – mais tarde descobriu que uma das alunas havia lido “A metamorfose” de Kafka), mas não adiantou. Ela também chorou. Mas havia naquelas lágrimas medo. Tantos medos. O medo de ler o jornal. O medo das baratas. O medo do que os superiores poderiam pensar. O medo de ser “derrubada”. Ela achava que havia alguns professores usando os alunos para derrubá-la. Na verdade, boa parte dos professores e funcionários pensavam a mesma coisa. Eles não acreditavam que aqueles textos tinham sido escritos por aqueles alunos. Havia “alguém por trás”. Ou eles subestimavam o próprio trabalho, ou subestimavam os alunos, ou as duas coisas! Zenão não soube dizer! O fato é que talvez “aquilo”, alunos de uma escola pública se expressando, pensando, eles não esperavam. Uma semana depois, quando Zenão disse para um colega professor que a aluna que escreveu o editorial havia passado num dos primeiros lugares do vestibular no curso de filosofia na USP, ele levou um susto e ficou mudo.
No final, os alunos não foram expulsos. Mas uma fenda foi aberta naquele dia... Se olharmos bem talvez a escola inteira esteja cheia de fendas... Como isto ainda funciona com todas estas rachaduras?