sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

O GRUPO VIOLAR E SUA PRODUÇÃO.

Olá.
Se vocês quiserem saber o que o grupo de pesquisa VIOLAR anda produzindo, acessem o endereço: www.fe.unicamp.br/violar
Entre os artigos on line, vocês encontrarão a crônica que a Luzia Batista de Oliveira Silva escreveu: "A educação e a cidade". O tema foi apresentado numa jornada pedagógica em que se discutiu como sensibilizar os alunos e educadores para uma convivência social participativa, como educar a cidade e se educar com a cidade.
A Andréa Cristina Martelli também escreveu dois resumos sobre um tema polêmico no campo da educação, envolvendo a sexualidade, a formação dos professores e o currículo oficial. Os títulos: "A introdução da orientação sexual no currículo escolar: perspectivas e dificuldades", (texto apresentado na ANPEd/Sul - Associação Nacional de Pesquisa e Pós Graduação em Educação) e "Orientação sexual: um relato de experiência da Prática de Ensino" (apresentado no ENDIPE: Encontro Nacional de Didática e Ensino). Para ler os textos na íntegra basta acessar as instituições indicadas nos resumos. Leiam e comentem. Um abraço.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

UM POUCO DE POESIA

TEMPO SEM TEMPO
vê se encontra um tempo
pra me encontrar sem contratempo
por algum tempo
o tempo dá voltas e curvas
o tempo tem revoltas absurdas
ele é e não é ao mesmo tempo
avenida das flores
e a ferida das dores
e só então
de sopetão
entro e me adentro no tempo e no vento
e abarco e embarco no barco de Ísis e Osíris
sou como a flecha do arco do arco do arco-íris
que despedaça as flores mais coloridas em
mil fragmentos
que passa e de graça distribui amores de cristais
totais sexuais celestiais
das feridas das queridas despedidas
de quem sentiu todos os momentos.

Zé Miguel Wisnik e Jorge Mautner,
do CD "Pérolas aos poucos".

PÉROLAS AOS POUCOS
eu jogo pérolas aos poucos ao mar
eu quero ver as ondas se quebrar
eu jogo pérolas pro céu
pra quem pra você pra ninguém
que vão cair na lama de onde vêm

eu jogo ao fogo todo o meu sonhar
e o cego amor entrego ao deus dará
solto nas notas da canção
aberta a qualquer canção
aberta a qualquer coração
eu jogo pérolas ao céu e ao chão

grão de areia
o sol de desfaz na concha escura
lua cheia
o tempo se apura
maré cheia
a doença traz a dor e a cura
e semeia
grãos de resplendor
na loucura

[eu jogo ao fogo todo o meu sonhar
eu quero ver o fogo se queimar
e até no breu reconhecer
a flor que o acaso nos dá
eu jogo pérolas ao deus dará]

Zé Miguel Wisnik e Paulo Neves,
do CD "Pérolas aos poucos".

sábado, 24 de janeiro de 2009

VIOLÊNCIA BRANCA

Queridas leitoras/queridos leitores
Hoje, apresentarei para vocês um texto da Maria Teresa Arruda Campos que poderá ser lido na íntegra em seu blog.
"Somos levados a chamar de violência as manifestações que sangram, que quebram, que matam... Esse artigo visa levantar uma reflexão acerca das violências que passam por nós ou que praticamos e que não se encaixam nesse tipo de manifestação. São as 'violências brancas', assim chamadas porque são, muitas vezes, naturalizadas como manifestações da cultura e não são vistas como um estopim para as 'violências vermelhas' ".

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

VIOLÊNCIA NAS ESCOLAS

Olá leitoras e leitores do meu blog.
A Miriam Abramovay e o Jorge Werthein publicaram na Folha de São Paulo, em 20 de novembro de 2008, um excelente artigo sobre Violência nas Escolas. Eles me autorizaram a colocar o texto no meu blog. Acho que vocês irão gostar.

Faltam políticas públicas claras, programas em execução que enfrentem decididamente o cotidiano de violência nas escolas
TEMOS AVANÇADO significativamente na nossa capacidade de diagnosticar, prever e entender diferentes fenômenos que se apresentam no cotidiano. As novas tecnologias de informação e comunicação disponíveis nos permitem detectar e identificar fenômenos naturais com grande precisão e antecedência. Em diversas áreas os progressos têm sido -e continuam sendo- notáveis. Os mecanismos existentes de detecção e diagnóstico da realidade nos permitem antecipar alguns possíveis "tsunamis" naturais e sociais. Porém, é preciso ter consciência do potencial dano ocasionado ainda que o problema seja diagnosticado.
Muitas vezes, ao conhecer a realidade apontada, negamos ou escondemos a sua existência, fazemos a chamada "política de avestruz" ou a lei do silêncio. Com essa atitude, não só não encaramos o problema como não conseguimos evitar que ele se repita com conseqüências cada vez mais graves, que vão se multiplicando e se agravando, tornando, assim, sua solução mais difícil.
Esconder debaixo do tapete situações objetivamente graves é uma constante. Tanto no âmbito privado quanto no público. Racionalizamos, elaboramos discursos que analisam o tema para nos tranqüilizarmos. Dizemos o certo, o correto, o indiscutível, embora imediatamente nos imobilizemos, nos acomodemos quase que confortavelmente na coerência teórica de tais afirmações. Deixamos para amanhã o que poderíamos ter feito e enfrentado hoje.
Agora, voltamos a ver um novo caso de violência nas escolas que ganhou amplo espaço na mídia. Temos cotidianamente outros exemplos, não tão dramáticos, que não são veiculados ou permanecem restritos a jornais locais e rádios comunitárias. As violências físicas e simbólicas estão instaladas, em maior e menor intensidade, nas nossas escolas.
Depois de tantos anos trabalhando sobre os temas de violências nas escolas no Brasil e em outros países da América Latina, continua nos chamando a atenção a relativa importância (para não dizer pouca) que se dedica ao assunto. Faltam políticas públicas claras, programas em execução que enfrentem decididamente o cotidiano de violência nas escolas.
Verifica-se grande limitação por parte das autoridades políticas e educacionais para assumir com decisão, coragem e determinação o enfrentamento cuidadoso de um problema que está tendo enorme efeito negativo no cotidiano de ensino e aprendizagem de jovens e crianças.
Isso está enfraquecendo as relações de convivência entre alunos, professores e demais atores sociais que atuam nesse espaço escolar. Por causa disso, está diminuindo de forma acelerada e alarmante, tanto para alunos quanto para professores, o desejo de ir à escola, que deixa de ser um espaço prazeroso.
A preocupação não parece ser entender o porquê desses altíssimos níveis de violência dentro do espaço escolar. As possíveis respostas, em geral, não começam baseadas em um diagnóstico da realidade, mas em generalidades aparentemente eloqüentes, vistosas e comprovadamente ineficientes. A automedicação raramente tem efeitos positivos e duradouros.
Não há intenção de dialogar com professores, alunos, diretores e pais, por meio de mecanismos sistemáticos e científicos, para que sejam elaboradas políticas públicas de longo prazo.
É um equívoco dizer que a resposta é o aumento de câmeras de vigilância, catracas para "expulsar os culpados" ou ampliar a presença das forças de segurança dentro das escolas. Isso é não querer entender o problema em sua real e profunda dimensão. Não é essa a forma adequada de usar as tecnologias para detecção de problemas.
Expulsando os esporádicos responsáveis pela violência, não estaremos expulsando as causas que a originam dentro das escolas. Temos de expulsar as razões que levam às situações constantes de violência para que alunos, professores, diretores e pais voltem a sentir o prazer de estudar, aprender e conviver nesse espaço em que devem se formar os cidadãos de hoje e de amanhã e a escola possa ser, como dizia Paulo Freire, um espaço de felicidade.

JORGE WERTHEIN , 67, mestre em comunicação e doutor em educação pela Universidade Stanford (EUA), é diretor-executivo da Ritla (Rede de Informação Tecnológica Latino-Americana). Foi representante da Unesco no Brasil.
MIRIAM ABRAMOVAY , socióloga, é coordenadora de Pesquisa da Ritla, integrante do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Juventudes, Identidades e Cidadania e consultora da Cufa-DF (Central Única das Favelas do DF).

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

UM LIVRO SOBRE CECÍLIA MEIRELES

Olá
Uma das pesquisadoras do VIOLAR, a Luzia Batista de Oliveira Silva, está lançando o seu livro "CECÍLIA MEIRELES: Imaginário, Poesia e Educação". Gaston Bachelar e Gilbert Durand são os autores com os quais Luzia dialoga para apresentar o trabalho de Cecília Meireles enquanto jornalista, poetisa e educadora. Parabéns Luzia.





sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

BLOGS QUE ME ACOMPANHAM NESSA TRAVESSIA



Quero agradecer a todos os blogs que me acompanham nessa travessia.
Da Adriana Dezotti Fernandes, destaco os Sonhos de Alamanda. Ela nos contempla com Ferreira Gullart, Tarkovski, Adélia Prado e também com poemas de sua autoria. Da Sandra R. S. Baldessim, destaco “Encontro com Sherazade”, “Ventos Desencontrados” e a “Oficina de Criação Literária”, com os seus exercícios de escrita sensorial. Manoel J. P. Fernandes nos traz informações importantes sobre a cultura portuguesa dos últimos 5 séculos e que podem ser obtidas na Biblioteca Digital Camões. Ademir de Souza nos fala sobre a importância da gestão pública nas nossas vidas em seu artigo “Saber cuidar das pessoas de nossas cidades”. Maria Teresa Arruda Campos, chega no pedaço com muita garra para compartilhar o que aprende e faz. Convido todos vocês a também visitarem o blog http://cursodeteatroespontaneo.blogspot.com de Moysés Aguiar. Ele irá oferecer um curso de formação em teatro espontâneo na forma de elenco experimental. Os integrantes do grupo serão instigados a praticar, participar, fazer, criar novas possibilidades de atuação tanto no campo profissional como pessoal. É muito bom ter vocês por perto. Um abraço.

ENTREVISTA: Violência Escolar



Queridos(as) leitores(as)

Em julho de 2007, uma jornalista aqui de Campinas solicitou a mim que respondesse algumas perguntas sobre Violência Escolar. Porém, houve o acidente com o avião da Tam, em São Paulo, e o assunto deixou de constar da pauta. Penso que surgiu a oportunidade de tornar público, aqui neste blog, as idéias que desenvolvi ao pensar sobre as questões colocadas por minha entrevistadora.

01. Por que a escola deixou de ser vista como um lugar sagrado? Afirmo isto diante dos recentes casos de agressões a professores, funcionários e diretores, além das brigas entre alunos, em várias escolas estaduais de São Paulo e a falta de respeito dos traficantes que adentraram o muro das escolas?
R: A escola, da forma como nós a conhecemos, nunca foi um lugar sagrado. As instituições de ensino surgiram no séc. XVI, no mundo ocidental, como dispositivos reguladores da vida infantil. Às crianças pobres era destinado o adestramento por meio de um ofício ministrado com a “máxima repreensão e o mínimo saber”, às crianças nobres eram reservados os colégios sob a orientação de ordens religiosas, que tinham o encargo de transmitir conhecimentos e tutelar os alunos, reforçando o mérito individual, o êxito escolar e os saberes relacionados com a manutenção da ordem. Na metade do séc. XIX e princípios do XX ocorreu a institucionalização da escola pública obrigatória que teve por objetivo transformar os filhos das classes populares em trabalhadores dóceis e submissos. Práticas médico-pedagógicas influenciaram os educadores a considerarem perigosos e nefastos os modos de vida das crianças pobres e a valorizarem o contexto familiar e social das classes poderosas.

02. A violência rompeu os portões das escolas e agora não está apenas do lado de fora?
R: A violência que existe fora da escola também se reflete em seu interior. Não podemos negá-la. A atuação do narcotráfico, de gangues, assaltantes, vândalos, etc. têm atingido a vida escolar (alguns autores falam em “violência na escola”) e intensificado a “violência da escola” que, para se proteger, reforça seus esquemas de vigilância e punição. Mas, a instituição escolar não pode ser vista apenas como reprodutora de violência advinda do exterior, porque ela também produz sua própria violência, gerando uma violência contestadora por parte dos alunos e, às vezes, por parte de alguns professores que também não concordam com as normas.

03. Quais as principais causas do fenômeno?
R: Inúmeras!!! Pesquiso algumas dessas causas, como por exemplo, o poder disciplinar das instituições, que passou a regular grandes massas populacionais e não mais individualidades. A escola, como “máquina disciplinar” se reorganizou e implantou novos tipos de educação, tais como: formação permanente, educação à distância, educação midiática, treinamentos empresariais, que ao invés de nos dar mais liberdade causam um maior controle sobre nós, pois são operados por um sofisticado esquema empresarial em que o “marketing” aparece como o mais importante instrumento de controle, modificando a nossa maneira de viver, as nossas relações com as pessoas. O saber produzido no campo educacional será um saber estratégico, uma vez que todo conhecimento aí produzido terá como instrumento de regulação a educação das massas. Alunos, professores, diretores, funcionários passam a ser controlados enquanto cifras. O que interessa é o número, os dados, nada mais importa. Os efeitos de poder se fazem sentir pelo desejo de uma motivação externa à vontade individual. Desejamos o cartão magnético, o cartão de crédito, as agências programadoras e financiadoras de viagem, de lazer, de segurança, de saúde, de funerária, de previdenciária, de educação, que “cuidam” de nossas vidas, mas exercem um controle rigoroso sobre nós. Perdemos a motivação interna e passamos a desejar que as nossas vidas sejam controladas a partir de senhas que dão/ou negam o acesso à informação e transformam as massas em amostras, em bancos de dados. Seguimos uma verdade que está fora de nós. É um olhar externo ao nosso, espalhado difusamente na “sociedade de controle”, que regula o "nosso" olhar. Dinheiro, sucesso, prestígio passam a constituir a imagem que cada um de nós deseja alcançar. As pessoas passam a considerar humilhante não se impor ao olhar do outro como um “vencedor” e, sendo assim, não importa se os meios usados para ser admirado sejam lícitos ou ilícitos.

04. As eventuais falhas no trabalho pedagógico das escolas, o grande número de alunos, ou seja, classes superlotadas, e até o sentimento de impunidade podem ser tratados como causas do fenômeno?
R: Para mim, esses fatos estão intimamente relacionados com a resposta dada acima (terceira questão). A educação das classes populares sempre fez parte de um programa político com o claro objetivo de incutir nos alunos a submissão à autoridade e à cultura considerada “legítima”. Hoje, os objetivos continuam sendo os mesmos, porém, alteraram-se as estratégias. Nunca se falou tanto em cidadania ou em programas educativos nos quais cada cidadão é chamado a participar para zelar pela igualdade entre os homens. Igualdade entendida aqui como direito a consumir, portanto como uma nova forma de uniformidade. Todos nós somos chamados a participar da cidadania democraticamente instalada, desde que paguemos para obter a realização dos nossos sonhos; sonhos, esses, programados pela sociedade informatizada na qual vivemos: ser belo, jovem, viril, forte, bem-sucedido. É preciso encurtar as distâncias que nos separam do outro, de modo que o subversivo, o rebelde, o estranho e o pobre, admitam sua inferioridade e consagrem os valores da “comunidade dos iguais”. A escola se tornou um “sistema aberto”, atingida por inúmeros projetos que oferecem produtos aos seus usuários. O problema é que nem todos podem ter acesso às “maravilhas” oferecidas pelo mercado universal que, além de riqueza, também fabrica miséria. O aluno sabe que, diante daquele “olhar externo” que diz a ele o que fazer para “subir na vida”, é um perdedor. Uma vez perdida a sua dignidade, por que ele deverá respeitar a dignidade do seu professor, do seu pai, das autoridades? É significativa a frase de um garoto de 12 anos, numa entrevista a um professor da USP, “...estou danado mesmo, posso fazer o que eu quero”. Mas, uma vez capturado por uma subjetividade construída pelos códigos vigentes, esse garoto não faz o que ele quer e sim o que os poderes constituídos querem que ele faça.

05. Como a violência se manifesta nas escolas? E por que as unidades públicas parecem ser mais atingidas do que as particulares? A senhora acha que as escolas particulares estão mais bem preparadas ou escondem os fatos de violência por questão mercadológica?
R: A “violência institucional” se caracteriza por tentar neutralizar as diferenças, levando à submissão e à adaptação por meio de um aparato burocrático-administrativo, de modo que todo controle, todas as regras aparecem como estando desvinculadas da vida dos alunos. Quando imposições de comando desconsideram o modo como são partilhados espaços, tempo, relações de amizade entre alunos, geralmente, ocorre uma reação que pode explodir tanto de forma brutal (como nos quebra-quebras, depredações, brigas, tumultos), como também por meio de atitudes que aparentemente se integram ao instituído, mas que paradoxalmente se opõem a ele (como o riso, a ironia, a zombaria, os grafites, as pichações). Da violência do poder institucional sobre as pessoas, passa-se para a violência das pessoas sobre esse poder. A indisciplina e a violência não expressam apenas ódio, raiva, vingança, mas, também, uma forma de interromper as pretensões do controle homogeneizador imposto pela escola. Juntamente com essas manifestações de violência, existem quadrilhas de bandidos que invadem a escola e interferem em seu funcionamento. Alguns estudos têm mostrado que a escola também é um “passaporte” para legitimar membros de organizações criminosas junto à sociedade, ou seja, para ascender no mundo do crime é preciso freqüentar a escola. Alunos de 14 anos já estão envolvidos com o tráfico de drogas e há casos nos quais pertencer ao crime organizado se constitui numa forma de conseguir poder, status, dinheiro fácil. Muitas meninas sentem-se atraídas por garotos que, em tese, poderão dar a elas uma vida glamourosa. A violência, portanto, aparece aqui associada ao apelo consumista da nossa sociedade.
Acredito que as unidades públicas têm mais visibilidade porque dentro delas não existem “clientes” que precisam ter a imagem preservada. A mídia também encontra nas escolas públicas portas abertas para suas matérias e, como a violência “dá público”, destaca-se essa temática em detrimento de outras que poderiam mostrar também as experiências positivas de instituições que tentam driblar a violência das mais diferentes formas.
Também não acredito que as escolas particulares estejam mais preparadas para enfrentar a violência. Quando colégios de elite, que aparecem na mídia como os “campeões de vestibular”, demonstram suas estratégias para preservarem a imagem de recordistas em aprovação nas melhores universidades do país, institui-se aqui uma das formas mais elaboradas da sociedade de controle. Esses colégios estimulam a concorrência entre os alunos, pois, em alguns deles, é o desempenho nos exames que determinará em qual classe deverão estudar. Inúmeras provas são aplicadas durante a semana e “ir mal” significa ser colocado de lado, ser inferior em relação aos “gênios” da turma. Não interessa o que acontece individualmente com esses alunos, mas sim o sucesso alcançado ante as estatísticas que podem colocar o colégio como o “melhor” dentre outros. O que esses alunos aprendem? A massificação, o treinamento voltado exclusivamente para os resultados do vestibular. Cria-se nos alunos a obrigação de reproduzir o que ouviram em sala de aula; eles não aprendem a desenvolver um pensamento autônomo, porém, uma vez “vencedores”, assumem o olhar de quem manda, de quem julga, destituindo com desprezo todos aqueles que não forem “capazes” de cumprir as metas, as normas que levam ao sucesso. Caso esses jovens cometam algum ato contrário às normas sociais de convivência, como por exemplo, preconceito em relação ao diferente, maus-tratos dirigidos aos professores, aos próprios colegas etc., não haverá punição, pois são eles que garantem o ranking de destaque para as suas escolas. É claro que alunos submetidos a esse tipo de educação não reagem todos da mesma forma. Porém, podemos nos perguntar se a ausência de um espaço público, onde, em contato com o outro, se possa melhorar suas próprias expressões, ser mais solidário e mais responsável pelo que acontece ao seu redor, pode nos dar algumas pistas para compreendermos os motivos que levam alguns desses jovens ao uso abusivo de álcool e outras drogas, à depressão e até ao suicídio.

06. A APEOESP e o DIEESE, em pesquisa recente, vão além e afirmam ainda que a descaracterização da progressão continuada em promoção automática contribui para a violência escolar no Estado de São Paulo. Na pesquisa deles, 76% de 684 professores afirmam que a progressão contribui para a violência. Como a senhora avalia este resultado?
R: O problema principal que se coloca é que não basta excluir a repetência objetivando melhorar os índices estatísticos educacionais e, desse modo, submeter-se à lógica dos financiamentos internacionais em educação. Ser aprovado de qualquer modo, (via promoção/aprovação automática) também é uma forma de humilhação, de violência, porque o aluno deixa de ter acesso aos conhecimentos que poderão qualificá-lo para a vida pública. O regime de progressão continuada é considerado, até mesmo fora do país, como um dos mais modernos projetos de avaliação da aprendizagem, porém, só funcionará se houver mudanças profundas na implantação das políticas educacionais. É preciso que essas políticas não sejam impostas e garantam a participação da comunidade escolar na implementação dos sistemas de avaliação. Quando o professor é desautorizado em sua avaliação, ele perde o respeito dos seus alunos. A APEOESP tem feito propostas muito interessantes no sentido de se reconhecer a prerrogativa do professor de conduzir a avaliação dos seus alunos, juntamente com os conselhos de classe e de séries, como também de se garantir as condições de trabalho para os professores e de estudo para os alunos.

07. A violência interfere no aprendizado? De que maneira?
R: Sabemos que quanto mais impostas e rigidamente cobradas, as regras favorecem a instalação de conflitos que interferem no aprendizado. Quando a escola não tem significado para os alunos, a mesma energia que leva ao envolvimento, ao interesse por aprender, pode transformar-se em apatia ou explodir em indisciplina e violência. Outro aspecto que gostaria de ressaltar é que, se entendermos o ato de ensinar como sendo o poder de gerir relações com o saber, a aprendizagem implica uma tensão, uma violência para aprender. O professor desempenha um papel ambíguo, pois se de um lado, ele tem a função de estabelecer os limites da realidade, das obrigações e das normas, de outro, ele desencadeia novos dispositivos para que o aluno, ao se diferenciar dele, tenha autonomia sobre o seu próprio aprendizado e sobre sua própria vida e isso não se faz sem conflito, harmoniosamente. Alunos e professores serão obrigados a formular regras comuns, limites de fechamento e de tolerância. Portanto, nem autoritarismo, nem abandono.

08. O que se percebe é que a escola não acompanha os casos e às vezes nem os registra. Esta omissão não acaba causando um sentimento de impunidade? Por que as escolas, ao invés de chamarem a polícia e fazerem BO, quando o aluno é agressor, não investem em trabalhos pedagógicos e no apoio psicológico e de assistência social? Aumentar o policiamento ajuda?
R: A maioria das escolas não tem infra-estrutura para oferecer aos estudantes um trabalho pedagógico de qualidade, um apoio psicológico, psicopedagógico e de assistência social. Por esse motivo, ou a instituição não acompanha os casos, ou, se acompanha, solicita reforço policial. Então, o que fazer? Tenho acompanhado as discussões realizadas em seminários sobre Segurança Escolar, com a participação de educadores e segmentos da polícia encarregados da segurança dos alunos. Nesses eventos, observo que a maioria dos policiais se coloca de forma coerente em relação aos objetivos da corporação, ou seja, há clareza de que a instituição policial existe para manter a ordem social, tendo autorização da sociedade para garantir a segurança e usar da força, caso seja necessário. Ao serem chamados, pelos educadores, para ocuparem o interior das escolas, muitos deles dizem sentir-se “desconfortáveis”, pois foram treinados para reprimir delitos e não para administrar diferenças e conflitos. Vários programas elaborados pelas instituições policiais e com o intuito de se aproximar das escolas têm seus pontos positivos e estratégicos, também, pois na ausência de políticas públicas que zelem pelas instituições de ensino, os policiais encontram nesse campo uma possibilidade de resgatar sua imagem junto à população. Muitas vezes, alunos que ignoram totalmente a autoridade dos pais e dos professores, acabam sendo controlados pelo policial, sob o olhar frágil e aliviado da sua professora. Ainda que inicialmente haja um clima de tensão entre alunos e policiais, observa-se que em alguns casos ocorre um reconhecimento mútuo no qual o aluno conhece e é reconhecido pelo policial e o policial reconhece-se no aluno e é por ele reconhecido. Essa relação tem como base laços de amizade e afeto, provocando no policial um desejo de compreender as condições de carência e exclusão familiar/escolar vivenciadas pelos alunos. Estes, ao serem ouvidos e compreendidos pelo policial oferecem a ele o reconhecimento que a sociedade e, às vezes, até mesmo a corporação não lhe dão. Agora, a pergunta crucial: que espaço a escola estaria perdendo? Para a corporação militar é o binômio autoridade-obediência que orienta a formação dos seus membros, porém, para as instituições educacionais o binômio é outro, luta-se pela conquista da autoridade com autonomia.
A escola deve preparar os alunos para conquistarem o ato de pensar. Porém, para que isso ocorra, a escola deve existir em um espaço democrático, de modo a garantir o exercício da profissão de educador, cuja autonomia lhe foi roubada por meio dos consecutivos saques feitos às instituições públicas do país. Vale lembrar a conclusão a que chegaram os professores que lecionavam no sistema escolar público de Nova York, no início da década de 90, quando a preocupação com segurança precedeu a preocupação com a educação. Assassinatos cometidos dentro das escolas fizeram com que se investisse num aparato de segurança altamente sofisticado: controle de acesso, detectores de metal, raio X para revista das mochilas, um sub-sistema para tranca de portas eletromagnéticas, etc... O número de Oficiais da Divisão de Proteção Escolar do sistema público junto às escolas chegou acima de 3000, uma força policial do tamanho de uma cidade como Boston. Apesar de todo esse esquema de segurança, as escolas se tornaram muito mais violentas. O porte de armas e de drogas não eram mais ameaças, contudo aumentaram a violência sexual e os vandalismos graves, como relata Peter Lucas, docente da Universidade de Nova York, em sua pesquisa. Os professores chegaram à conclusão de que os estudantes se escolarizaram na violência, tentando driblar os aparelhos repressivos ou desenvolvendo formas de ataque (promovidas por alunos que eram disciplinados e não violentos, mas que recorreram à violência para se protegerem) contra as gangues que os ameaçavam. Os docentes perceberam também que, em lugar de insistirem por mais segurança, deveriam reivindicar mais professores e programas pedagógicos criativos. Esse exemplo, pode nos ajudar a pensar que a luta dos educadores deve optar por reverter a prioridade da violência dos aparatos de segurança sobre o ensino e a aprendizagem. Investir nesse tipo de escola não é trabalho para burocratas e nem para políticos preocupados com o melhor “ranking” das instituições educacionais, que estão a serviço da lógica de mercado.
Só um lembrete. Quando alguns nazistas foram inqueridos sobre as atrocidades cometidas, eles sempre alegavam que a função deles era acatar ordens recebidas. Ou seja, eram incapazes de pensar sobre decisões éticas. Essa ausência de reflexão, de pensamento provoca perversidades. Até mesmo pessoas consideradas inteligentes, mas que não foram formadas para pensar, cometem atrocidades em nome de um modelo que dita as normas do conhecer e do agir. Por isso, não é de se estranhar os atos bárbaros de jovens de classe média, universitários, que recentemente espancaram uma mulher e depois se desculparam dizendo: “pensamos que se tratava de uma prostituta”. O blog criado por um deles, e logo deletado após a denúncia do espancamento ser noticiada, continha mensagens contra as mulheres. A nossa sociedade de consumo considera os “não vencedores”, os “anormais”, “os frágeis” como lixo que pode ser empilhado ou extinto de modo indiscriminado (tanto faz se for morador de rua, mendigo, índio, favelado, pobre, homossexual, mulher, louco, prostituta, travesti, refugiados de guerra, ou tudo aquilo que representa refugo humano por estar distante do modelo de sucesso criado pelo progresso econômico).

09. Existe desinteresse pela cultura, condições e vidas dos alunos, já que há escolas que rotulam alguns como sujeitos-problemas, como se a escola não fosse co-responsável da forma de ser deles? O que o diretor, o professor e o funcionário devem fazer para erradicar a violência dentro das escolas? Quais seriam as medidas práticas e simples que podem conter esta violência ou mesmo acabar com ela?
R: Uma disciplina homogeneizadora que valha para a escola toda, feita para um conjunto de alunos equivalentes àqueles de um passado idealizado (“dos velhos tempos”), está destinada ao fracasso. Com o advento da escola de massas, há outras regras em jogo que nada têm a ver com a experiência que vivemos no passado. Existe um conjunto de regras tão diversificadas que precisam ser conhecidas para que os educadores descubram os mundos de onde os alunos provêm. É preciso construir práticas organizacionais que levem em conta as características das crianças e jovens que hoje freqüentam as escolas. A organização do ano escolar, dos programas, das aulas, a arquitetura dos prédios e sua conservação não podem estar distantes do gosto e das necessidades dos alunos. Como encontrarmos um equilíbrio entre os interesses dos alunos e as exigências da instituição? É preciso deixar de acreditar que a paz signifique ausência de todo conflito. Empreendimentos que flexibilizem o tempo e o espaço do território escolar, que não excluam a possibilidade de dissidências e nem o debate sobre estas questões, podem dar início ao despontar de uma solidariedade interna que recuse o coletivismo, isto é, a imposição unitária de comandos, e que engendre uma luta pelo coletivo. Ou seja, uma atividade conjunta que rompa o isolamento das pessoas e crie uma comunidade de trabalho capaz de possibilitar a afirmação de outras maneiras de ser, outras sensibilidades, outras percepções, considerando todos os acontecimentos que são rejeitados simplesmente por estarem fora dos padrões institucionais.
Algumas pesquisas também têm demonstrado que se não entendermos a violência que permeia a nossa sociedade não conseguiremos compreender o modo pelo qual as instituições escolares se articulam com a violência presente na sociedade. Esse é um aspecto importante, pois significa que um novo projeto educativo deverá questionar a sociedade de consumo e sua indiferença em relação às desigualdades sociais, a miséria do cotidiano e a nossa subserviência à lógica empresarial de mercado.

10. O professor, em especial da rede pública, alega que ganha pouco e está desmotivado, trabalhando muito e em condições, às vezes, não ideais. Isto ajuda a aumentar a violência e isto é verdade?
R: Professores desmotivados, com baixos salários, que não estão preparados para ensinar nas condições em que a escola se encontra, o descaso das políticas públicas, são fatores que certamente contribuem para o aumento da violência. PORÉM, apesar das escolas públicas estarem em condições adversas, muitas delas realizam, graças a esforços heróicos de seus diretores, professores, funcionários, experiências bastante significativas para a formação dos alunos.

11. Qual a diferença entre conflito e violência?
R: Em termos conceituais não faço essa diferença. Sejam quais forem as modalidades de violência, os conflitos sempre estarão presentes. Isso nos obriga a trabalhar com todas as turbulências do dia-a-dia, localizando as formas através das quais elas se compõem em relação aos limites e às coerções da instituição.

12. A pobreza interfere na violência escolar?
R: Não é a pobreza que interfere na violência, mas o apelo exacerbado de nossa sociedade ao consumo: "Devo subir na vida a qualquer custo, não importam os meios, logo, roubo não para sobreviver, ou para ajudar a minha família, mas para conseguir os bens que me qualificam como um cidadão de 'primeira classe'”.

13. O medo é um sentimento generalizado na rede pública de ensino. A senhora acha que isto não acaba colaborando para a não-ação?
R: Fala-se em “fobia escolar”, contaminando as relações entre professores e alunos. Reportagens veiculadas pela mídia têm anunciado a respeito de professores que lecionam em escolas públicas e particulares e que estão abandonando a profissão por não suportarem a agressividade dos alunos. Nas escolas privadas, principalmente naquelas onde o “freguês sempre tem razão”, diretores e coordenadores ignoram as queixas dos docentes e impedem que alunos, considerados indisciplinados, bagunceiros sejam punidos. Com relação às escolas públicas há relatos sobre alunos que ameaçam professores, principalmente quando estes tomam atitudes mais enérgicas em sala de aula ou quando “atrapalham” a vida de alunos ligados ao narcotráfico e que tentam vender drogas dentro da escola (isso pode acontecer tanto na escola pública quanto na particular). Há também maus tratos dirigidos aos alunos, principalmente nas escolas públicas, desde agressões verbais até castigos que não deixam marcas no corpo. Deparamo-nos então com situações-limite. Suporta-se a indisciplina dos alunos para manter o número de matrículas e garantir mais lucros aos donos das escolas particulares, para proteger a vida de professores ameaçados por alunos usuários/traficantes de drogas ou que se revoltam com a falta de perspectiva que o futuro lhes reserva. Em outro extremo, os alunos são rigorosamente punidos de modo a fazer com que os limites impostos pela instituição sejam acatados.

14. Por favor, fale um pouquinho das pesquisas da senhora sobre este tema.
R. Na pesquisa que publiquei sob o nome “Vigilância, Punição e Depredação Escolar” (publicada em 1985, pela Ed. Papirus), analiso como o poder penetra e se ramifica no conjunto da vida escolar, através dos controles, regulamentos, mecanismos de vigilância e de punição. Numa outra, realizada em 1989, e intitulada “A dinâmica da violência escolar: conflito e ambigüidade” (publicada em 1996, pela Ed. Autores Associados) estudo mais detalhadamente as várias modalidades de violência e a forma de sua dinâmica nas escolas pesquisadas.
Junto ao VIOLAR: Grupo de Estudos sobre Violência, Imaginário e Formação de Educadores – da Faculdade de Educação da Unicamp, coordenado por mim e pela profª Dirce Djanira Pacheco e Zan, orientei o projeto coletivo (já finalizado): O Imaginário da Violência e a Escola. Essa pesquisa se propôs a investigar como as imagens fílmicas, poéticas, literárias, pictóricas, expressas nas histórias, mitos e ritos da cultura escolar, produziam e reproduziam o imaginário da violência e com elas uma (re)construção da história pessoal e coletiva dos que habitam a escola. Tentamos perceber como essas imagens ampliavam a visão sobre a violência, criando margens de liberdade, ou um espaço intersticial, no qual uma parte da existência individual e social pudesse se expressar para uso da imaginação, dissolvendo o que estava solidificado. Realizamos oficinas em algumas escolas e outras instituições educativas.
Atualmente, o grupo está envolvido na pesquisa intitulada “Juventude, Cultura, Violência e Educação”. Nosso objetivo: fazer um estudo sobre a juventude e suas comunidades, tendo diferentes ramificações conforme o trabalho realizado pelos membros do grupo em Campinas e região.

RETORNANDO

Olá
Passei uma semana muito legal nas proximidades de Brotas, fazendo caminhadas, tomando banho de cachoeira, comendo frutas ao pé das árvores, reencontrando amigos, conhecendo gente nova, namorando, enfim, fazendo travessias e percebendo como M. Ruberck que a "felicidade não é uma estação de chegada, mas um modo de viajar". Beijos.

domingo, 4 de janeiro de 2009

DESCANSO

Queridos leitores/ Queridas leitoras

No período de 05 a 11 de janeiro estarei desconectada. Irei para as montanhas, não para fugir deste baixo mundo, mas para apurar a potência de penetrar sempre mais em realidades concretas e animá-las, como diria James Hillman. Até logo.

sábado, 3 de janeiro de 2009

UM OLHAR A RESPEITO DA INDISCIPLINA NA ESCOLA ANTE A COMPLEXIDADE DA SOCIEDADE ATUAL


Certa vez, lendo um artigo sobre cultura e cotidiano escolar, deparei-me com a imagem de um pintor anônimo que destacava em seu quadro as figuras da Sagrada Família. O menino Jesus, acompanhado por José e Maria, carregava uma pequena lousa em sua mão esquerda, e o seu braço direito era puxado pelas mãos de sua mãe. O que me chamou a atenção foi o fato da imagem ter sido produzida em meados do séc. XVI e poder ser lida como um sentimento de resistência à escola que, em geral, acreditamos existir somente nos dias de hoje.
Os historiadores da educação referem-se ao séc. XVI como sendo o momento em que emergem, no mundo ocidental, programas educativos que privam a criança do contato com os adultos em seu processo de aprendizagem. A partir do séc. XVII, a escola transforma-se num espaço de disciplinarização. Rompem-se os laços de solidariedade não somente entre os alunos, mas, também, entre eles e os professores. Desse momento em diante, passa-se a incentivar a delação, a competitividade, as comparações, a separação entre os bons e os maus alunos. Essas técnicas de disciplinarização vão se modificando até se transformarem em uma ampla rede de poder na sociedade contemporânea.
A escola se reorganiza, implantando novos tipos de educação: formação permanente, educação à distância, educação midiática, treinamentos empresariais, avaliação contínua. Ao invés de mais liberdade, ganhamos controles ilimitados, contínuos, operados por um sofisticado esquema empresarial em que o “marketing” aparece como o mais importante instrumento de controle, modificando a nossa maneira de viver, as nossas relações com as pessoas.
Os efeitos de poder se fazem sentir pelo desejo de uma motivação externa à vontade individual. Perdemos a motivação interna. Seguimos uma verdade que está fora de nós e pensamos agir com autonomia, quando é um olhar externo ao nosso, espalhado difusamente na “sociedade de controle”, que regula o "nosso" olhar. Dinheiro, sucesso, prestígio passam a constituir a imagem que cada um de nós deseja alcançar. É humilhante não se impor ao olhar do outro como um “vencedor” e, sendo assim, não importa se os meios usados para ser admirado sejam lícitos ou ilícitos.
Se, no poder disciplinar, a lógica era marginalizar os alunos, distinguindo os infratores, os rebeldes, agora, trata-se de incluí-los, de aceitá-los em suas diferenças. Todos são chamados a participar: os jovens e os adultos que abandonaram a escola; a família, a juventude, os policiais engajados em projetos educativos. Nunca se falou tanto em cidadania, ou em programas educativos nos quais cada cidadão é chamado a participar para zelar pela igualdade entre os homens. Igualdade entendida aqui como direito a consumir, portanto como uma nova forma de uniformidade. Somos convidados a participar da cidadania democraticamente instalada, desde que paguemos para obter a realização dos nossos sonhos. Sonhos esses programados pela sociedade informatizada na qual vivemos: ser belo, saudável, jovem, viril, forte, bem sucedido, "zelador da minha comunidade".
A escola se tornou um “sistema aberto”, atingida por inúmeros projetos que oferecem produtos aos seus usuários. Mas, nem todos podem ter acesso às “maravilhas” oferecidas pelo “mercado universal”, que, além de riqueza, fabrica miséria. Não atingir a expectativa de ser o “melhor”, cria em muitos alunos um sentimento de impotência. Diante daquele “olhar externo”, que diz o que devemos fazer para “subir na vida”, o aluno sabe que é um perdedor. Uma vez perdida a sua dignidade, por que ele deverá respeitar a dignidade do seu professor, do seu pai, das autoridades? É significativa a frase de um garoto de 12 anos numa entrevista ao pesquisador Yves de la Taille: “(...) estou danado mesmo, posso fazer o que eu quero”.
Qual a possibilidade de nós recusarmos à regulação a que estamos submetidos, opondo-nos, ainda que provisoriamente, aos modos dominantes de existência? Essa não é uma tarefa fácil. Os meios de comunicação, a família, o marketing são fornecedores de modelos influentes nas nossas vidas e nas dos nossos alunos, porém, é possível desmontar essa “mecânica infernal” preservando algo da expressão própria da criança, do adolescente. Para isso, precisamos encontrar terrenos nos quais seja possível o “exercício da função de autonomia”.
Segundo o filósofo Michel Foucault, constituir-se a si mesmo, enquanto sujeito de suas próprias ações, significa vincular o que eu sou, ao que se pode fazer e ao que se é obrigado a realizar. Este “cuidado de si” não implica em “auto-ajuda”, nem em exercícios solitários de introspecção, produzindo o isolamento em relação ao mundo. Egoísmo e cuidado de si são antagônicos, pois é o completo domínio de si mesmo que desenvolve o distanciamento entre si mesmo e o outro, de modo que se possa examinar se os princípios das ações que estabeleço para mim correspondem às minhas ações junto aos outros. Essa experiência de si é dominar-se, não com uma força que reprime o que está prestes a explodir, mas que provoca um prazer que se tem consigo mesmo.
Esse trabalho sobre si mesmo é uma prática social, é um trabalho que implica num sistema de obrigações recíprocas. Exige tempo!
Estamos todos em busca de novas formas de luta. Muitos dos “acontecimentos” que atingem as nossas vidas nos lançam em ações nas quais pensar é enfrentar-se a si mesmo num perpétuo combate entre o que somos e o que desejam que nós sejamos, entre o trabalho de si para consigo e a comunicação com os outros. Nessa perspectiva, o trabalho do educador não é controlar, conformar, nem reformar, mas espalhar os germes de um novo modo de existência que se aventura a inventar novas possibilidades de vida. Esse novo aponta para o surgimento de um ética que nasce do encontro com outros e de regras que diante do normativo refletem sobre a historicidade dos sujeitos. Os sujeitos existem sim, mas não se constituem “naturalmente”, logo, é imperativo estudarmos, enquanto pesquisadores, educadores que somos, quais as “verdades” que se impõem aos sujeitos, constituindo subjetividades narcísicas, incapazes de ouvir, compreender e conviver com as diferenças, com as tensões e conflitos sociais, como também subjetividades obedientes às tecnologias que se apropriam do “eu” e aniquilam sua capacidade de reflexão, esta sim “imprescindível às ações humanas em geral e à ação educativa em especial”. Em “A Vida do Espírito”, a filósofa Hannah Arendt comenta o julgamento do nazista Eichmann em Jerusalém. Quando ele era inquerido sobre as atrocidades cometidas, sempre alegava ter sido um excelente funcionário. Era simplesmente incapaz de pensar sobre decisões éticas. Sempre que era confrontado com situações para as quais não havia procedimentos de rotina parecia indefeso. Diz Arendt que não se trata de estupidez, mas de irreflexão, ou seja, “é mais provável que a perversidade seja provocada pela ausência de pensamento”. Essa ausência pode ser comum em pessoas inteligentes, o que não significa que tenham “um coração perverso”. Essa conquista do ato de pensar pode se dar através da educação. Se a escola puder ser o lugar da produção coletiva de conhecimento e de saberes, ela será capaz de (re) criar o sentido da autoridade dos mestres e da autonomia para o pensar. Investir nesse tipo de escola não é trabalho para burocratas nem para políticos preocupados com o melhor “ranking” das instituições educacionais a serviço da lógica de mercado. Ou se investe e se acredita nos sonhos, ou se paga com o preço da “irreflexão”. Os mais velhos já viveram essa história e os mais jovens já ouviram falar das “páginas infelizes” do nosso passado tão presente.




quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

ÉTICA E ESTÉTICA NAS NOVAS PRÁTICAS DE CIDADANIA.


ÉTICA E ESTÉTICA NAS NOVAS PRÁTICAS DE CIDADANIA

Leitores, hoje, quero convidá-los para ler um texto de Moysés Aguiar. Ele é um psicodramatista brasileiro, com vários livros publicados, no Brasil e no exterior, sobre Teatro Espontâneo. Com o título “Ética e Estética nas Novas Práticas de Cidadania”, Moysés analisa as experiências que grupos de psicodrama e teatro espontâneo da América Latina têm desenvolvido sobre a prática de cidadania, criando “espaços de escuta e reflexão” que dizem respeito aos problemas de nossas comunidades. Questionando o conceito de cidadania, o autor chama a nossa atenção para as armadilhas que o termo pode conter, lembrando que é em função das lutas sociais que os sentidos de cidadania variam no tempo e no espaço. Para Moysés, os grupos que, hoje, realmente, promovem a cidadania são aqueles que compreendem a mútua determinação das relações entre a micro e a macropolítica, sem impor unilateralmente uma solução para os problemas sociais. Não haveria uma pauta hegemônica, mas um conjunto de valores que preservaria a liberdade dos sujeitos numa ação orquestrada por esses mesmos sujeitos. Princípios e metas sugeridos constituiriam uma “ética da cidadania”. O teatro espontâneo, retomado da experiência original de Moreno, possibilitaria exercitar a construção coletiva, a liberação de nossa criatividade, de nossa autonomia. A esses valores Moysés dá o nome de “estética da cidadania”. São os acontecimentos sociais, políticos que nos fazem perceber a convergência entre os princípios éticos e estéticos. A partir de uma experiência concreta numa instituição pública de saúde, o autor relata seus dilemas entre a realidade e o sonho e constata que não é possível democratizar as relações por decreto. O desafio do teatro espontâneo seria, portanto, integrar a “horizontalidade da escuta” na “verticalidade inerente ao exercício do poder”, possibilitando a construção de uma ética e de uma estética da cidadania. O tema foi desenvolvido no seu blog, cujo endereço disponibilizo a todos vocês: http://propostasdereformapolitica.blogspot.com .