sexta-feira, 16 de abril de 2010

TOLERÂNCIA ZERO EM CAMPINAS

Queridos(as) Leitores(as).
A palavra "tolerar", em nossa cultura, tem sentidos ambíguos e por isso acredito que nos atrapalhamos ao falarmos de "tolerância". Segundo o Dicionário do Aurélio Buarque de Holanda Ferreira (2a. ed.), o tolerante é aquele que desculpa,  é indulgente, admite e respeita opiniões contrárias à sua, ou seja, modos de pensar, de agir e de sentir que diferem dos de um indivíduo ou de grupos determinados, políticos ou religiosos. Mas, um outro sentido, nos faz pensar. A tolerância é a tendência a admitir a diferença máxima entre uma valor especificado e o obtido; margem especificada como admissível para o erro em uma medida ou para discrepância em relação a um padrão.  
O texto do prof. Geraldo é muito esclarecedor. Nele conseguimos entender o padrão pelo qual encontra-se a medida específica para o exercício da (in) tolerância.


Opinião  (Publicado  em 15/04/2010, no Jornal Correio Popular)
Os moradores de rua

GERALDO F. MENDES

A finalidade precípua da Guarda Municipal é proteger o patrimônio público municipal. Na semana passada, os fardados municipais vestiram as armaduras dos soldados romanos e detiveram sete invasores que chegavam na rodoviária vindos de outra freguesia. Agora a GM campineira também defende o território campinense impedindo o direito fundamental do cidadão brasileiro de ir e vir em qualquer parte do território nacional.
Os sete afrodescendentes, excluídos de nossa sociedade, moradores de rua, meios-cidadãos brasileiros, foram conduzidos à delegacia por meios coercitivos, identificados, cadastrados e, por não ter sido possível imputar-lhes qualquer crime, foram tangidos de volta, conduzidos em veículos oficiais da Prefeitura de Campinas.
Ironicamente, o governo municipal inaugurou recentemente o Centro Campineiro da Memória Afro-brasileira, que deveria reverenciar a raça negra pelo legado cultural e pelo ativo econômico conseguido pelos donos das chibatas até 1888. Há 122 anos a Princesa Isabel e alguns abolicionistas burgueses abandonaram os descendentes de escravos à sua própria sorte, sem que nenhuma política pública fosse feita no início para incluir os negros brasileiros ao mercado de trabalho e nenhum tipo de indenização foi paga para compensar os ex-escravos pelos anos de trabalhos forçados nas lavouras de café e engenhos de cana de açúcar. No Brasil alguns filhos da Mãe África, se juntam aos outros excluídos e habitam submoradias em locais de alto risco, favelas, viadutos, praças públicas, encostas deslizantes e lixões desativados. Os resultados do descaso dos governantes são conhecidos por todos pelas cenas de horror exibidas diariamente na mídia.
É possível que os sete visitantes detidos na rodoviária tenham vindo a Campinas para tentar entender por que há 50 anos o governo municipal mandou demolir um belo teatro no Centro da cidade e até agora não consegue sequer reformar as casas de espetáculos existentes sob sua responsabilidade. Outra razão possível da vinda dos visitantes a Campinas é querer saber porque o loteamento Cidade Satélite Íris, que está localizado na região do Campo Grande criado em 1936, tem ruas esburacadas, transporte público precário e um abandono completo por todos os governantes que passaram pela Prefeitura.
Outra razão que pode ter despertado a curiosidade dos sete visitantes tenha sido entender por que os núcleos habitacionais de Campinas não têm suas vielas e ruelas sequer denominadas por leis municipais e excluem 30 mil moradores de terem endereços oficiais e CEP, fazendo com que um direito tão básico de cidadania não possa ser desfrutado por um contingente tão expressivo de campineiros.
É possível que os sete homens e mulheres chegaram a Campinas para visitar pontos turísticos da maior cidade do Interior paulista e, caso não tivessem sido detidos, iriam se deparar com a Caravela da Lagoa do Taquaral, totalmente desprezada porque o poder público a abandonou e até agora na conseguiu devolver a nau às águas poluídas do cartão postal do município.
Em contrapartida, os condomínios, construídos no melhor estilo das cidades medievais, na região entre Sousas e a estrada de Mogi Mirim, recebem largas avenidas asfaltadas, devidamente denominadas, e fartos investimentos para edificar fortalezas que cercam e impedem o livre acesso do cidadão comum a vias e logradouros públicos que são apropriados pelos privilegiados moradores das pequenas urbes. A cidade também recebe de braços abertos empresários, principalmente do setor imobiliário, e acolhe com orgulho os abastados estudantes das universidades campineiras.
Lamentavelmente, o programa de Tolerância Zero, implantado pela Prefeitura Municipal de Campinas, no lugar de proteger o cidadão, poderá se transformar em ações de intolerância racial e social. O poder público deveria ser mais cauteloso nas ações e abordagens e o Ministério Público, por sua vez, deveria acompanhar e auditar as diretrizes que conduzem a Guarda Municipal nas ações diárias, cujo objetivo principal deveria ser o de proteger o cidadão e não o de coibir aqueles que residem ou que estejam em trânsito na cidade.

Geraldo Ferreira Mendes é professor aposentado

4 comentários:

  1. "Enquanto todo mundo espera a cura do mal e a loucura finge que isso tudo é normal, eu finjo ter paciência..."(Lenine)

    no mais, sem comentários

    Dri Dezotti

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  2. Eles portavam documento de identificação? Caso contrario é licito que sejam conduzidos ao setor de identificação para que a mesma seja feita a e puxada a ficha de antecedentes, é procedimento que é ou deveria ser padrão com qualquer abordado, infratores e fugitivos costumam andar sem documentos justamente para não serem identificados,a suspeita é fundamentada pelos fatos e deve sim ser averiguada.

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  3. o "Tolerância Zero" é um programa do governo municipal que carrega consigo tons de fascismo que nem ao menos tentam ser disfarçados. É uma política de extermínio descarada. Quando começarem a matar os moradores de rua não ficaremos surpresos. Em São Paulo a coisa só piora: http://twurl.cc/2xsw

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  4. Eu gostaria de saber onde esse Sr. Geraldo mora, mas posso garantir que não é no Centro de Campinas. O Tolerância Zero foi a melhor coisa que aconteceu para mim e a minha família nos últimos tempos. Era melhor manter os prédios abandonados, os bares sem alvará, os pontos de crack?! Não consigo entender sua linha de raciocínio. Me parece que o Sr. simplesmente é da "oposição" dessa gestão. Eu não tenho nenhuma relação política com ninguém, sou simplesmente uma campineira que está satisfeita com o trabalho que tem sido feito. O "Bom Dia Morador de Rua" é a melhor iniciativa que vi nos últimos anos. Ou o Centro de campinas começava sua revitalização, ou morreria para sempre. Sinceramente e com todo respeito. O senhor tem uma ideia melhor sobre o que fazer? Pense nisso. Mas pense também em famílias que moram no Centro e não podiam sair de casa depois das 18:30h. E sobre "mandar de volta afrodescendentes", não tem nada a ver com cor! Cansei de sair para trabalhar e dar de cara com mendigo dormindo na porta do meu prédio. onde está o meu direito de ir e vir?

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