terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

ROUBARAM NOSSO CARNAVAL

Querido(as) Leitores(as)
Nessa terça feira de carnaval, convido vocês para refletirem sobre o texto que a profa. Edwiges Rabello de Lima escreveu sobre essa festa popular que um dia foi do povo. Hoje, capturada pelo poder do lucro, o carnaval assusta os foliões, mas enriquece aqueles que faturam às custas desse controle que se dissemina em nosso cotidiano. Deixo a questão: “segurança para quem?”.

ROUBARAM NOSSO CARNAVAL

Não vou a carnavais em ambiente privados e comerciais ou festas "populares" quando são privatizadas. Não faz sentido querer usufruir de alguma coisa que foi criada pelas populações em geral e que passa a ser fruto de lucro para uns poucos. É como se eu pagasse aluguel para vestir uma roupa que me roubaram. Não tenho estômago para isso.

Por me conhecer e por ter sido educado nesses princípios, meu neto me procura quando a diversão é para ser pública. Foi assim nesse ano de 2009. Combinamos ir assistir o carnaval de rua em Campinas, como já fizéramos anos atrás, com grande prazer, na Francisco Glicério. Ele era criança e acompanhava todas as escolas de seu início até o final da avenida, correndo de volta entre a multidão para ver o início da próxima e fazer o mesmo. Jamais esqueceu do maracatu, no qual nossos amigos desfilavam, e quando pude explicar para ele o que significavam os papéis de cada um, as vestimentas, a coreografia, a música, etc. Lembrança que ele guardou e, agora adolescente, quis ver de novo.

Chegou de viagem no sábado e recebemos visitas que queriam vê-lo, e ele a elas, para matar as saudades, no domingo. Na segunda-feira, saímos, sob chuva, para ver o carnaval de rua. Eu expliquei que havia mudado o local de apresentação, para um sambódromo. Procuramos uma explicação para que não fosse mais nas ruas e não entendemos. Mas, resolvemos ver o que seria da nova experiência.

Quando já estávamos chegando ao local, vimos umas baias (que sempre me lembram cavalos) e pessoas amontoadas do outro lado delas. Fomos nos aproximando e essas pessoas fecharam as saídas das baias. Algumas vestiam capas de chuva, azuis transparentes, iguais às que estavam sendo vendidas nas ruas pelas quais passamos antes de chegar até ali, por camelôs. Sob as capas umas vestiam camisetas amarelas e outras, camisetas brancas. Essas mesmas pessoas gritavam que mulheres deveriam ficar de um lado e homens de outro. Achei que aquilo era uma brincadeira de foliões. Atravessei com meu neto por uma das baias e fomos barrados por um homem que dizia que teríamos que retornar para que fossemos revistados (apalpados e minha bolsa revistada): "as mulheres farão a sua revista e os homens farão a dele".

Fiquei perplexa. Uma moça veio e pegou no meu braço, para "me levar" até a minha devida baia. Reagi e disse que ela nem ousasse me tocar novamente. Imediatamente perguntei quem eram, pois estavam todos sem qualquer identificação. Responderam que eram "seguranças". Pedi que me dissessem de que empresa. Se recusaram a falar e disseram que isso não importava, pois foram contratados pela Prefeitura.

Continuei me recusando e exigindo que não tocassem em mim ou em meu neto. Outro rapaz se aproximou para atravessar a baia e ficou furioso, pois esse era seu caminho para chegar em casa após o trabalho, e não admitiu ser revistado.

Chamaram a Guarda Municipal, diante da nossa desobediência civil. Esses também se recusaram a dizer que empresa era aquela. Irônicos, citaram o nome de vários vereadores para que eu ligasse e registrasse minha reclamação.

Percebi que não teríamos uma noite de festa, pois festa é quando nos descontraímos para compartilhar com outros uma expressão comum. Minha única expressão era de nojo e de indignação.

Expliquei isso a meu neto e ele entendeu perfeitamente, pois lembrava de quando toda nossa família teve que enfrentar os seguranças de um hospital relapso, para salvar sua vida. Ele já sabe que essa história de segurança privada é muito questionável: asseguram os interesses de quem paga a eles.

Expliquei que apesar de sermos nós que pagávamos os impostos, os únicos que deveriam estar ganhando com essa privatização do carnaval eram os donos das empresas de segurança e outros serviços ali envolvidos.

Ele me disse que já fora revistado no Hop Hari, quando foi com a escola estadual.

Não assistimos ao carnaval, mas ele também se sentiu vivo por termos nos recusado a essa situação absurda. Apesar de triste, me senti orgulhosa do jovem que também preferiu ir por um caminho mais longo para sua casa, para não se curvar a essas atitudes arbitrárias do nosso governo municipal.

Estão instalando câmeras de vídeo nas escolas estaduais; todos estão sendo educados pelo BBB para um sociedade de vigilância 24h; as pessoas se acostumaram a ser revistadas por seguranças privados em bancos, locais de diversão, etc., sem saberem quais são seus direitos. Quem são os ladrões mesmo?

(Edwiges Rabello de Lima)

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