domingo, 29 de março de 2009

RELATOS DE UM PROFESSOR ESGOTADO

Queridos(as) Leitores(as).
Hoje, José Luis Pastre escreveu a crônica II: "Memória de um intervalo".

Entre fendas e rachaduras parece que é nos intervalos que as coisas acontecem! É nos intervalos que tudo escapa ou tudo pode desmoronar! Certa vez Zenão presenciou um pequeno acontecimento que disparou nele uma série de questões. Isso foi em certa manhã. Havia dado o sinal para o início das aulas e ele subia as escadas em direção às salas juntamente com duas colegas professoras, por coincidência, duas professoras de química. Uma delas estava voltando a trabalhar naquele dia depois de uma semana de licença, pois o pai havia falecido na semana anterior. Subiam lentamente as escadas. A professora subindo os degraus com seu corpo frágil, e Zenão e a outra colega acompanhando-a com poucas palavras. Ao terminarem de subir os degraus, encontraram os alunos, em sua alegria plena de encontrar-se com os colegas nos momentos em que antecedem as aulas, e três alunas, da classe em que a professora – cujo pai havia falecido – ia dar a primeira aula naquele dia, vieram ao encontro deles e disseram para a professora: “Ah professora, a senhora veio?!”…
Esse tipo de pergunta era comum. Às vezes alguns alunos a faziam para alguns professores, quando estes apareciam na sala – e acabavam com a esperança dos alunos de que algum professor tivesse faltado. Se isto ocorresse, isto é, se algum professor, ou professora, tivesse faltado, eles poderiam ir embora mais cedo, ou então ficar ouvindo música e conversando no pátio da escola. No entanto, às vezes, esse tipo de pergunta podia ter outro sentido, não ser apenas um lamento, mas uma forma de brincadeira, expressando certo estado de humor e de alegria na relação entre professores e alunos. Isso acontecia quando havia certa aproximação, certo tipo de afetividade, na relação. Alguns professores também faziam este tipo de pergunta: “Ah vocês vieram?!”... Algumas vezes era também um lamento que alguns professores partilhavam entre si, principalmente em final de bimestre, ou feriados prolongados: “Ah o pessoal da 8ª D está todo aí! Pensei que fosse poder terminar de corrigir as provas!”.
Mas aquela pergunta, naquele momento! A professora estava passando por uma situação difícil com a morte do pai e Zenão não sabia qual poderia ser sua reação, temia que aquela pergunta pudesse aumentar ainda mais o seu sofrimento. Além disso, havia certo tom ambíguo na pergunta daquelas jovens e Zenão não tinha certeza se a professora tinha uma boa relação com elas. Os professores foram pegos de surpresa! No entanto, diante daquela pergunta, na ambiguidade de seu tom, mistura de interrogação com exclamação, seus olhares se cruzaram e a professora, na sua fragilidade e com humor, respondeu: “Ah, vocês também vieram?!” E todos se olharam novamente, riram e foram trabalhar. A professora foi acompanhada pelas alunas que a ajudaram a carregar seu material.
Daquele pequeno intervalo entre a pergunta, mistura de humor e ironia, que às vezes alguns alunos costumam fazer, e a resposta, que devolvia a pergunta, mistura de dor e alegria, várias questões emergiram na cabeça de Zenão. Não que nunca tivesse pensado naquelas questões, é que naquele intervalo elas foram tomadas por outra intensidade e lançaram Zenão a uma procura: O que estavam fazendo ali? Por que não tinham todos, alunos e professores, fugido, ido para outro lugar qualquer? E se estavam ali, como usavam aquele tempo de suas vidas, naquele espaço da escola? Tempo de trabalho? Tempo de estudo? O que acontece neste intervalo de tempo que passamos na escola? Mas a escola é um intervalo? O que acontece neste intervalo?

2 comentários:

  1. Que olhar mais atento em José!? bacana,despertar-nos para o 'entre'! por acaso, acabo de ler um poema do Manoel de Barros que sinto poder ser um pouco de lançamento de afetos e percepções sobre a 'tao' da resistência que discutimos e na qual ele usa a metáfora da parede,suas rachaduras e tudo mais...coloco aqui compartilhando com vocês,
    um beijo, Juliana

    "Que a palavra parede não seja símbolo
    de obstáculos à liberdade
    nem de desejos reprimidos
    nem de proibições na infância,
    etc. (essas coisas que acham os
    reveladores de arcanos mentais)
    Não.
    Parede que me seduz é de tijolo, adobe
    preposto ao abdomen de uma casa.
    Eu tenho um gosto rasteiro de
    ir por reentrâncias
    baixar em rachaduras de paredes
    por frinchas, por gretas - com lascívia de hera.
    Sobre o tijolo ser um lábio cego.
    Tal um verme que iluminasse."
    Manoel de Barros

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  2. Oi Juliana! Que acaso feliz este com Manoel de Barros, hein?
    Linda a poesia, obrigado por partilhar com a gente!
    abraço, zé!

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