terça-feira, 14 de abril de 2009

EDUCAÇÃO, MST E NOVAS SUBJETIVIDADES.


No texto “Maestros Errantes”, Silvia Duschatzky[1] nos fala que a “errancia” se torna uma experiência política quando podemos tomar a precariedade como plataforma de pensamento de novos modos de relação social. Diz ela que a construção de um “mundo” na precariedade, politiza a experiência errante. Novos regimes de ver, sentir e produzir criam novas subjetividades, fazendo com que os mestres errantes trabalhem na tensão entre suas representações e a força dos fluxos viventes, produzindo práticas que se arrojam no ensaio de estratégias variadas para tornar possíveis formas de composição com outros.
O texto de Duschatzsky, já comentado aqui no blogue dias atrás, me fez refletir sobre a forma como o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) enfrentou as tentativas do procurador Gilberto Thums, do Ministério Público gaúcho, de fechar as escolas itinerantes do movimento e que estão localizadas em acampamentos. Conforme reportagem do Zero Hora, o procurador desistiu de enfrentar o MST após ser constrangido em audiência pública na Assembléia Legislativa com a presença de 200 filhos de sem-terra que tentavam reverter o processo que determinava o fechamento das escolas. Segundo a mesma reportagem, desde 2008, o Ministério Público (MP) gaúcho tem sido pressionado por entidades ligadas à área de Direitos Humanos, sob a acusação de “criminalizar os movimentos sociais”. Uma comissão especial, formada no âmbito da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, do governo federal, considerou “preocupante” e “grave” o tratamento dado ao MST no Estado.Thums recebeu críticas de companheiros do Ministério Público. De Brasília, também partiram ataques da ouvidoria agrária nacional, vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Agrário, que apresentou ao Conselho Nacional do Ministério Público um pedido de providências sobre a política de autuação do MP gaúcho em conflitos no campo. A justificativa do pedido calou fundo nos promotores e procuradores: o MP estaria afrontando os direitos fundamentais, em especial o princípio da dignidade da pessoa humana. Entre os seus pares, as mais duras críticas partiram de promotores ligados às áreas dos Direitos Humanos e da Infância e da Juventude. Desde o início das ações contra o MST, em 2008, promotores das duas áreas temiam a contaminação ideológica em assuntos técnicos. O desconforto tornou-se insustentável após a assinatura do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o governo do Estado, em fevereiro de 2009, sepultando as escolas itinerantes em acampamentos do MST. Esse termo foi feito sem que os promotores da área da Infância e da Juventude fossem consultados.Há uma semana, o então coordenador do Centro de Apoio Operacional da Infância e da Juventude procurador Miguel Velasquez, e a promotora da Infância e da Juventude Synara Jacques Butelli enviaram um ofício para aprocuradora-geral Simone Mariano da Rocha devolvendo o TAC. Na prática, a devolução indicava para a procuradora que, ao não participar da confecção do termo, os promotores não se sentiam confortáveis em executá-lo. A pressão prosseguiu na Assembléia, na última terça-feira, em uma reunião da Comissão de Educação, presidida por Mano Changes – parlamentar do PP, sigla historicamente contrária ao MST. Em sua primeira manifestação no encontro, Thums condenou as escolas itinerantes e os sem-terra, definido por ele como um movimento “guerrilheiro”. Ao final, após ouvir manifestações de deputados e de técnicos, reconheceu que o TAC poderia ser revisado. Ao receber uma cópia do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) das mãos de uma criança, o sempre sério Thums esboçou um sorriso.

Em entrevista ao Zero Hora e à Rádio Gaúcha, Thums admite a possibilidade de um meio termo, mas considera que freqüentar uma escola do MST e não freqüentar nenhuma dá na mesma, pois “não há controle (...).Ninguém sabe quantos dias as crianças frequentam a escola, ninguém conhece o programa mínimo que ela recebe na escola. Honestamente,vai mudar muito pouco”. Thums resolveu se afastar por vários motivos, entre eles, cita a pressão que tem sofrido por parte das universidades, de alguns intelectuais, da internet. Na sua opinião, os pais matriculariam seus filhos em escolas públicas e finaliza sua entrevista dizendo: “A gente não avaliou o poder do movimento. O movimento é mais forte do que qualquer instituição. Eu não imaginaria que eles iriam mesmo enfrentar essa decisão. Tenho a impressão de que, no futuro, vão me dar razão, vão reconhecer que eu não era tão louco assim”.

Talvez, Gilberto Thums se esforce por seguir um protocolo normativo na implantação de uma escola e não perceba o potencial de uma outra escola possível de ser construída, guiada por um movimento no qual o normativo conviva com novas sensibilidades, com práticas que envolvam sujeitos e se produzam em situação. Não se trata simplesmente, como diz Duschatzky de tolerar movimentos autônomos, mas de pensar como os micropoderes podem atravessar os sistemas de ensino e os mecanismos de intervenção do Estado que é portador de um conjunto de recursos (financeiros, técnicos, estratégicos) necessários para a potenciação de práticas emergentes.
Trata-se de pensar:
- como fazer para que esses processos de singularização ganhem consistência e expressão em múltiplos planos?
- como esses movimentos moleculares podem atravessar os sistemas que impregnam políticas, agendas e dispositivos de regulação educativa?


[1] DUSCHATZKY, Silvia. Maestros Errantes. Experiencias Sociales a la Intempérie. Buenos Aires: Paidós, 2007.

2 comentários:

  1. é Aurita, eu posso ser vista como otimista ou sonhadora, mas que a revolução molecular já está ocorrendo, ah, já está sim...
    a prova esta aí: 200 filhos de sem-terra, lutando por uma escola que acreditam.
    que bom, né? um dia, você vai ver, esse mundo vai ficar melhor, ah vai!
    bjs
    dri

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  2. a única coisa que me anima, nessa vida injusta, é saber que pelas resistências podemos vencer, podemos contribuir cavando espaços e lutando por uma sociedade diferente dessa: há esperaça para mim!
    bj,
    teresa

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