domingo, 14 de dezembro de 2008

CONVERSANDO SOBRE VIOLÊNCIA ESCOLAR

No meu livro “A Dinâmica da Violência Escolar: conflito e ambigüidade” eu me refiro à “violência institucional”. Esse tipo de violência se caracteriza pela desconsideração aos modos como são partilhados os espaços, o tempo e as relações de amizade entre alunos e, até mesmo, entre os professores e desses com pais, gestores e funcionários.
Por meio das pesquisas que tenho realizado, constato que, a partir da violência do poder institucional sobre as pessoas, ocorre outro tipo de violência, a violência das pessoas sobre esse poder. Reações como indisciplina, quebra-quebra, xingamentos podem não expressar apenas ódio, raiva, vingança, mas, também, uma forma de interromper as pretensões do controle homogeneizador imposto pela escola.
Não pensem que culpabilizo professores, diretores e todos que lá trabalham. A maioria das escolas não têm infra-estrutura para oferecer aos estudantes um trabalho pedagógico de qualidade, um apoio psicológico e psicopedagógico. Então, o que nós encontramos? Alguns professores desmotivados e outros lutando para ensinar nas condições em que a escola se encontra, sob o descaso das políticas públicas, com os salários baixos, muitos em contratação temporária, gerando alta rotatividade nas equipes de trabalho.
O que passa a acontecer? Quando a escola não tem significado para os alunos (e nem para parte dos professores), a mesma energia que leva ao envolvimento, ao interesse por aprender, pode transformar-se em apatia ou explodir em indisciplina e violência. Nenhum projeto de lei, nenhum decreto conseguirá unir alunos, professores e pais no combate à violência, se não houver uma disposição em romper com o isolamento entre as pessoas e em criar uma comunidade de trabalho.
Se entendermos que educar é aprender a gerir relações com o saber, isso implica na existência de uma tensão, pois, se, de um lado, o educador tem a função de estabelecer os limites da realidade, das obrigações e das normas, de outro, ele desencadeia novos dispositivos para que o aluno, ao se diferenciar dele, tenha autonomia sobre o seu próprio aprendizado e sobre sua própria vida, e isso não se faz sem conflito. Alunos e educadores seriam obrigados a formular regras comuns, limites de fechamento e de tolerância.
Portanto não adianta “mapear”, “fiscalizar”, “treinar”, “controlar” comportamentos. O papel da escola é preparar os alunos para conquistarem o ato de pensar, porém, para que isto ocorra, a escola deve existir em um espaço democrático, de modo a garantir o exercício da profissão de educador cuja autonomia lhe foi roubada por meio dos consecutivos saques feitos às instituições públicas do país. Concordo com os educadores que, em sua luta por melhores condições de trabalho, optam por priorizar o ensino e a aprendizagem ao invés de reivindicar o aumento dos aparatos de segurança nas escolas.
Com o advento da escola de massas, há outras regras em jogo e que nada têm a ver com as experiências que vivemos no passado. Existe, hoje, um conjunto de regras muito diversificadas que precisam ser conhecidas para que os educadores descubram os mundos de onde os alunos provêm. É preciso construir práticas organizacionais que levem em conta as características das crianças e jovens que hoje freqüentam as escolas. A organização do ano escolar, dos programas, das aulas, a arquitetura dos prédios e sua conservação não podem estar distantes do gosto e das necessidades dos alunos.
Como encontrarmos um equilíbrio entre os interesses dos alunos e as exigências da instituição, entre os conhecimentos universais que os alunos têm o direito de receber e os saberes já construídos por esses alunos? É preciso deixar de acreditar que a paz signifique ausência de todo conflito.
Empreendimentos que flexibilizem o tempo e o espaço do território escolar, que não excluam a possibilidade de dissidências e nem o debate sobre essas questões, podem dar início ao despontar de uma solidariedade interna que recuse o coletivismo. Isto é, que rejeite a imposição unitária de comandos e que engendre uma luta pelo coletivo, ou seja, uma atividade conjunta que possibilite a afirmação de outras maneiras de ser, de outras sensibilidades, de outras percepções, considerando todos os acontecimentos que são rejeitados simplesmente por estarem fora dos padrões institucionais.
Algumas pesquisas também têm demonstrado que se não entendermos a violência que permeia a nossa sociedade não conseguiremos compreender o modo pelo qual as instituições escolares se articulam com a violência presente na sociedade. Esse é um aspecto importante, pois significa que um novo projeto educativo deverá questionar a sociedade de consumo e sua indiferença para com as desigualdades sociais, a miséria do cotidiano e a nossa subserviência à lógica empresarial de mercado.
Também gostaria de dizer que apesar das escolas públicas estarem em condições adversas, muitas delas realizam, graças a esforços heróicos de seus diretores, professores, funcionários, experiências bastante significativas para a formação dos alunos. Mas, infelizmente, esses exemplos são pouco conhecidos e divulgados porque explicitam o abandono do Estado e a necessidade de atuações efetivas que articulem uma crítica à sociedade, aos seus valores, aos conteúdos curriculares expressos nos documentos oficiais e o projeto pedagógico construído por essas escolas de forma autônoma e democrática.
Áurea M. Guimarães

12 comentários:

  1. Que bom que agora temos um blog que tem a proposta de conversar sobre a escola. Pena que, ainda, em nosso país, depois de quinhentos e tantos anos de "descoberta", ainda tenhamos que falar de violência na escola...
    Infelizmente esta situação é o resultado de tudo o que fizemos até agora como sociedade. O tema é complexo e se não sentarmos para uma boa prosa sobre como melhorar a educação e a sociedade de modo geral, a tendência é só piorar.
    Um grande abraço Áurea, parabéns pela iniciativa e boa sorte!

    Marcos Recchia
    Curitiba - Pr.

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  2. Excelente texto dentro do contexto, Áurea!! Ter sabedoria para olhar as diversas facetas da violência, na diversidade das abordagens que podem/devem analisá-la, é imprimir liberdade ao pensamento... Que bom encontrar parceiros nessa caminhada árdua.
    Abraços fraternos,
    Rosane
    Cabo Frio - RJ

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  3. Fico muito feliz em saber que ainda existem educadores como você, Áurea, que, além de seu incrível repertório, preocupa-se também com os interesses dos alunos. Sou estudante e nunca pensei que fosse passar por situações imorais e constrangedoras, devo enfatizar que os conflitos entre alunos e educadores ocorrem frequentemente não apenas em escolas, mas também em universidades.
    Parabéns pelo seu trabalho!
    Beijos da sua fã de carteirinha!

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  4. Que bom, Áurea, saber que você continua firme e forte no seu empenho de tratar o tema da violência nas escolas. E que envolva também, e cada vez mais, pesquisadores sérios e responsáveis em torno de um núcleo de estudos e pesquisas de fundamental importância para a educação brasileira!
    Maria do Rosario (Rosinha)
    São Paulo

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  5. Áurea, não poderia deixar de mostrar minha admiração pelo seu não-conformismo e pela atitude sempre sincera e contestadora! Seu envolvimento com as questões envolvidas em seus estudos e pesquisas ultrapassam os muros da academia, e é por essa atuação que o grito chegará mais alá. Conte comigo na luta!
    Um grande abraço da caçula do Violar, Nathália.

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  6. É isso aí. Implicação na educação é a palavra chave quando se fala em violência nas escolas... E a produção de sentidos na escola faz parte de um debate muito edificante que deve ser fomentado em nossa sociedade! :)

    Parabéns pelo Blog, professora Áurea!

    Rafael Marques, Mestrando em Educação - UFMT

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  7. Áurea
    Seu compromisso com a educação se reflete na sua produção acadêmica e na sua forma de orientar seus alunos, dos quais tenho o prazer de ser uma. Sua sensibilidada aliada ao seu rigor acadêmico são traços expressivos em sua trajetória como professora. A educação brasileira necessita de pesquisadores que não temem o diferente e você, certamente, é um desses.
    Beijos
    Andréa- Cascavel- Paraná

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  8. Poucas pessoas são tão compromissadas com estas questões sobre violência escolar e juventude. Seu trabalho é motivo de inspiração para tantos que estão começando e vivem o cotidiano escolar. Quem conhece seu trabalho sabe disso. Beijos;
    Simeire

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  9. Áurea,

    esse artigo é a prova de que a academia e a vida precisam estar juntas. A clareza e positividade de suas palavras confirmam sua prática como educadora.
    “...é preciso a cada instante, passo a passo, confrontar o que se pensa e o que se diz com o que se faz e o que se é.” (Foucault)

    bom estar perto do violar...

    teresa

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  10. Profa. Áurea, parabéns pelo seu blog e por tratar de temas tão antigos e novos ao mesmo tempo, pois o olhar se renova a cada movimento da História.Me sinto envergonhada por ser moradora da mesma cidade do jornalista que vem denegrindo suas idéias e sua pessoa!Eu também já fui vítima da ingnorância deste jornalista em um debate público, mas no fundo me sito feliz pela certeza de que não comungo dos mesmos ideais que ele...
    Thelma

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  11. Áurea, você fala muitas coisas essenciais e imprescindíveis para iniciar o debate sobre a violência institucional. Para mim hoje o mais difícil é a indiferença, o medo, a negação e a incapacidade latente de reconhecer e administrar os conflitos tão constantes no espaço educacional. E, infelizmente não creio em nenhuma forma de modificar este espaço de violência tão assustadora a médio e a longo prazo.
    Embora existam tantas pesquisas consistentes no espaço da Universidade, a academia não consegue se aproximar das muitas realidades que cercam as nossas escolas. Existe sempre um descompasso indelével entre os fatos e as reflexões sobre ele, infelizmente.

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  12. adorei ler sobre o assunto, considero a violencia uma faca de dois gumes, sou pedagoga, e ainda me espanto com a realidade das escolas publicas, a desmotivação dos profissionais é enorem, a pouco sofri uma violencia na escola , fui refem de meus proprios alunos, e estou no meio termo, sem saber quem auxiliar, ou ate se volto a praticar, a forma como vc fala é bem esclarecedorar.

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