sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

ENTREVISTA: Violência Escolar



Queridos(as) leitores(as)

Em julho de 2007, uma jornalista aqui de Campinas solicitou a mim que respondesse algumas perguntas sobre Violência Escolar. Porém, houve o acidente com o avião da Tam, em São Paulo, e o assunto deixou de constar da pauta. Penso que surgiu a oportunidade de tornar público, aqui neste blog, as idéias que desenvolvi ao pensar sobre as questões colocadas por minha entrevistadora.

01. Por que a escola deixou de ser vista como um lugar sagrado? Afirmo isto diante dos recentes casos de agressões a professores, funcionários e diretores, além das brigas entre alunos, em várias escolas estaduais de São Paulo e a falta de respeito dos traficantes que adentraram o muro das escolas?
R: A escola, da forma como nós a conhecemos, nunca foi um lugar sagrado. As instituições de ensino surgiram no séc. XVI, no mundo ocidental, como dispositivos reguladores da vida infantil. Às crianças pobres era destinado o adestramento por meio de um ofício ministrado com a “máxima repreensão e o mínimo saber”, às crianças nobres eram reservados os colégios sob a orientação de ordens religiosas, que tinham o encargo de transmitir conhecimentos e tutelar os alunos, reforçando o mérito individual, o êxito escolar e os saberes relacionados com a manutenção da ordem. Na metade do séc. XIX e princípios do XX ocorreu a institucionalização da escola pública obrigatória que teve por objetivo transformar os filhos das classes populares em trabalhadores dóceis e submissos. Práticas médico-pedagógicas influenciaram os educadores a considerarem perigosos e nefastos os modos de vida das crianças pobres e a valorizarem o contexto familiar e social das classes poderosas.

02. A violência rompeu os portões das escolas e agora não está apenas do lado de fora?
R: A violência que existe fora da escola também se reflete em seu interior. Não podemos negá-la. A atuação do narcotráfico, de gangues, assaltantes, vândalos, etc. têm atingido a vida escolar (alguns autores falam em “violência na escola”) e intensificado a “violência da escola” que, para se proteger, reforça seus esquemas de vigilância e punição. Mas, a instituição escolar não pode ser vista apenas como reprodutora de violência advinda do exterior, porque ela também produz sua própria violência, gerando uma violência contestadora por parte dos alunos e, às vezes, por parte de alguns professores que também não concordam com as normas.

03. Quais as principais causas do fenômeno?
R: Inúmeras!!! Pesquiso algumas dessas causas, como por exemplo, o poder disciplinar das instituições, que passou a regular grandes massas populacionais e não mais individualidades. A escola, como “máquina disciplinar” se reorganizou e implantou novos tipos de educação, tais como: formação permanente, educação à distância, educação midiática, treinamentos empresariais, que ao invés de nos dar mais liberdade causam um maior controle sobre nós, pois são operados por um sofisticado esquema empresarial em que o “marketing” aparece como o mais importante instrumento de controle, modificando a nossa maneira de viver, as nossas relações com as pessoas. O saber produzido no campo educacional será um saber estratégico, uma vez que todo conhecimento aí produzido terá como instrumento de regulação a educação das massas. Alunos, professores, diretores, funcionários passam a ser controlados enquanto cifras. O que interessa é o número, os dados, nada mais importa. Os efeitos de poder se fazem sentir pelo desejo de uma motivação externa à vontade individual. Desejamos o cartão magnético, o cartão de crédito, as agências programadoras e financiadoras de viagem, de lazer, de segurança, de saúde, de funerária, de previdenciária, de educação, que “cuidam” de nossas vidas, mas exercem um controle rigoroso sobre nós. Perdemos a motivação interna e passamos a desejar que as nossas vidas sejam controladas a partir de senhas que dão/ou negam o acesso à informação e transformam as massas em amostras, em bancos de dados. Seguimos uma verdade que está fora de nós. É um olhar externo ao nosso, espalhado difusamente na “sociedade de controle”, que regula o "nosso" olhar. Dinheiro, sucesso, prestígio passam a constituir a imagem que cada um de nós deseja alcançar. As pessoas passam a considerar humilhante não se impor ao olhar do outro como um “vencedor” e, sendo assim, não importa se os meios usados para ser admirado sejam lícitos ou ilícitos.

04. As eventuais falhas no trabalho pedagógico das escolas, o grande número de alunos, ou seja, classes superlotadas, e até o sentimento de impunidade podem ser tratados como causas do fenômeno?
R: Para mim, esses fatos estão intimamente relacionados com a resposta dada acima (terceira questão). A educação das classes populares sempre fez parte de um programa político com o claro objetivo de incutir nos alunos a submissão à autoridade e à cultura considerada “legítima”. Hoje, os objetivos continuam sendo os mesmos, porém, alteraram-se as estratégias. Nunca se falou tanto em cidadania ou em programas educativos nos quais cada cidadão é chamado a participar para zelar pela igualdade entre os homens. Igualdade entendida aqui como direito a consumir, portanto como uma nova forma de uniformidade. Todos nós somos chamados a participar da cidadania democraticamente instalada, desde que paguemos para obter a realização dos nossos sonhos; sonhos, esses, programados pela sociedade informatizada na qual vivemos: ser belo, jovem, viril, forte, bem-sucedido. É preciso encurtar as distâncias que nos separam do outro, de modo que o subversivo, o rebelde, o estranho e o pobre, admitam sua inferioridade e consagrem os valores da “comunidade dos iguais”. A escola se tornou um “sistema aberto”, atingida por inúmeros projetos que oferecem produtos aos seus usuários. O problema é que nem todos podem ter acesso às “maravilhas” oferecidas pelo mercado universal que, além de riqueza, também fabrica miséria. O aluno sabe que, diante daquele “olhar externo” que diz a ele o que fazer para “subir na vida”, é um perdedor. Uma vez perdida a sua dignidade, por que ele deverá respeitar a dignidade do seu professor, do seu pai, das autoridades? É significativa a frase de um garoto de 12 anos, numa entrevista a um professor da USP, “...estou danado mesmo, posso fazer o que eu quero”. Mas, uma vez capturado por uma subjetividade construída pelos códigos vigentes, esse garoto não faz o que ele quer e sim o que os poderes constituídos querem que ele faça.

05. Como a violência se manifesta nas escolas? E por que as unidades públicas parecem ser mais atingidas do que as particulares? A senhora acha que as escolas particulares estão mais bem preparadas ou escondem os fatos de violência por questão mercadológica?
R: A “violência institucional” se caracteriza por tentar neutralizar as diferenças, levando à submissão e à adaptação por meio de um aparato burocrático-administrativo, de modo que todo controle, todas as regras aparecem como estando desvinculadas da vida dos alunos. Quando imposições de comando desconsideram o modo como são partilhados espaços, tempo, relações de amizade entre alunos, geralmente, ocorre uma reação que pode explodir tanto de forma brutal (como nos quebra-quebras, depredações, brigas, tumultos), como também por meio de atitudes que aparentemente se integram ao instituído, mas que paradoxalmente se opõem a ele (como o riso, a ironia, a zombaria, os grafites, as pichações). Da violência do poder institucional sobre as pessoas, passa-se para a violência das pessoas sobre esse poder. A indisciplina e a violência não expressam apenas ódio, raiva, vingança, mas, também, uma forma de interromper as pretensões do controle homogeneizador imposto pela escola. Juntamente com essas manifestações de violência, existem quadrilhas de bandidos que invadem a escola e interferem em seu funcionamento. Alguns estudos têm mostrado que a escola também é um “passaporte” para legitimar membros de organizações criminosas junto à sociedade, ou seja, para ascender no mundo do crime é preciso freqüentar a escola. Alunos de 14 anos já estão envolvidos com o tráfico de drogas e há casos nos quais pertencer ao crime organizado se constitui numa forma de conseguir poder, status, dinheiro fácil. Muitas meninas sentem-se atraídas por garotos que, em tese, poderão dar a elas uma vida glamourosa. A violência, portanto, aparece aqui associada ao apelo consumista da nossa sociedade.
Acredito que as unidades públicas têm mais visibilidade porque dentro delas não existem “clientes” que precisam ter a imagem preservada. A mídia também encontra nas escolas públicas portas abertas para suas matérias e, como a violência “dá público”, destaca-se essa temática em detrimento de outras que poderiam mostrar também as experiências positivas de instituições que tentam driblar a violência das mais diferentes formas.
Também não acredito que as escolas particulares estejam mais preparadas para enfrentar a violência. Quando colégios de elite, que aparecem na mídia como os “campeões de vestibular”, demonstram suas estratégias para preservarem a imagem de recordistas em aprovação nas melhores universidades do país, institui-se aqui uma das formas mais elaboradas da sociedade de controle. Esses colégios estimulam a concorrência entre os alunos, pois, em alguns deles, é o desempenho nos exames que determinará em qual classe deverão estudar. Inúmeras provas são aplicadas durante a semana e “ir mal” significa ser colocado de lado, ser inferior em relação aos “gênios” da turma. Não interessa o que acontece individualmente com esses alunos, mas sim o sucesso alcançado ante as estatísticas que podem colocar o colégio como o “melhor” dentre outros. O que esses alunos aprendem? A massificação, o treinamento voltado exclusivamente para os resultados do vestibular. Cria-se nos alunos a obrigação de reproduzir o que ouviram em sala de aula; eles não aprendem a desenvolver um pensamento autônomo, porém, uma vez “vencedores”, assumem o olhar de quem manda, de quem julga, destituindo com desprezo todos aqueles que não forem “capazes” de cumprir as metas, as normas que levam ao sucesso. Caso esses jovens cometam algum ato contrário às normas sociais de convivência, como por exemplo, preconceito em relação ao diferente, maus-tratos dirigidos aos professores, aos próprios colegas etc., não haverá punição, pois são eles que garantem o ranking de destaque para as suas escolas. É claro que alunos submetidos a esse tipo de educação não reagem todos da mesma forma. Porém, podemos nos perguntar se a ausência de um espaço público, onde, em contato com o outro, se possa melhorar suas próprias expressões, ser mais solidário e mais responsável pelo que acontece ao seu redor, pode nos dar algumas pistas para compreendermos os motivos que levam alguns desses jovens ao uso abusivo de álcool e outras drogas, à depressão e até ao suicídio.

06. A APEOESP e o DIEESE, em pesquisa recente, vão além e afirmam ainda que a descaracterização da progressão continuada em promoção automática contribui para a violência escolar no Estado de São Paulo. Na pesquisa deles, 76% de 684 professores afirmam que a progressão contribui para a violência. Como a senhora avalia este resultado?
R: O problema principal que se coloca é que não basta excluir a repetência objetivando melhorar os índices estatísticos educacionais e, desse modo, submeter-se à lógica dos financiamentos internacionais em educação. Ser aprovado de qualquer modo, (via promoção/aprovação automática) também é uma forma de humilhação, de violência, porque o aluno deixa de ter acesso aos conhecimentos que poderão qualificá-lo para a vida pública. O regime de progressão continuada é considerado, até mesmo fora do país, como um dos mais modernos projetos de avaliação da aprendizagem, porém, só funcionará se houver mudanças profundas na implantação das políticas educacionais. É preciso que essas políticas não sejam impostas e garantam a participação da comunidade escolar na implementação dos sistemas de avaliação. Quando o professor é desautorizado em sua avaliação, ele perde o respeito dos seus alunos. A APEOESP tem feito propostas muito interessantes no sentido de se reconhecer a prerrogativa do professor de conduzir a avaliação dos seus alunos, juntamente com os conselhos de classe e de séries, como também de se garantir as condições de trabalho para os professores e de estudo para os alunos.

07. A violência interfere no aprendizado? De que maneira?
R: Sabemos que quanto mais impostas e rigidamente cobradas, as regras favorecem a instalação de conflitos que interferem no aprendizado. Quando a escola não tem significado para os alunos, a mesma energia que leva ao envolvimento, ao interesse por aprender, pode transformar-se em apatia ou explodir em indisciplina e violência. Outro aspecto que gostaria de ressaltar é que, se entendermos o ato de ensinar como sendo o poder de gerir relações com o saber, a aprendizagem implica uma tensão, uma violência para aprender. O professor desempenha um papel ambíguo, pois se de um lado, ele tem a função de estabelecer os limites da realidade, das obrigações e das normas, de outro, ele desencadeia novos dispositivos para que o aluno, ao se diferenciar dele, tenha autonomia sobre o seu próprio aprendizado e sobre sua própria vida e isso não se faz sem conflito, harmoniosamente. Alunos e professores serão obrigados a formular regras comuns, limites de fechamento e de tolerância. Portanto, nem autoritarismo, nem abandono.

08. O que se percebe é que a escola não acompanha os casos e às vezes nem os registra. Esta omissão não acaba causando um sentimento de impunidade? Por que as escolas, ao invés de chamarem a polícia e fazerem BO, quando o aluno é agressor, não investem em trabalhos pedagógicos e no apoio psicológico e de assistência social? Aumentar o policiamento ajuda?
R: A maioria das escolas não tem infra-estrutura para oferecer aos estudantes um trabalho pedagógico de qualidade, um apoio psicológico, psicopedagógico e de assistência social. Por esse motivo, ou a instituição não acompanha os casos, ou, se acompanha, solicita reforço policial. Então, o que fazer? Tenho acompanhado as discussões realizadas em seminários sobre Segurança Escolar, com a participação de educadores e segmentos da polícia encarregados da segurança dos alunos. Nesses eventos, observo que a maioria dos policiais se coloca de forma coerente em relação aos objetivos da corporação, ou seja, há clareza de que a instituição policial existe para manter a ordem social, tendo autorização da sociedade para garantir a segurança e usar da força, caso seja necessário. Ao serem chamados, pelos educadores, para ocuparem o interior das escolas, muitos deles dizem sentir-se “desconfortáveis”, pois foram treinados para reprimir delitos e não para administrar diferenças e conflitos. Vários programas elaborados pelas instituições policiais e com o intuito de se aproximar das escolas têm seus pontos positivos e estratégicos, também, pois na ausência de políticas públicas que zelem pelas instituições de ensino, os policiais encontram nesse campo uma possibilidade de resgatar sua imagem junto à população. Muitas vezes, alunos que ignoram totalmente a autoridade dos pais e dos professores, acabam sendo controlados pelo policial, sob o olhar frágil e aliviado da sua professora. Ainda que inicialmente haja um clima de tensão entre alunos e policiais, observa-se que em alguns casos ocorre um reconhecimento mútuo no qual o aluno conhece e é reconhecido pelo policial e o policial reconhece-se no aluno e é por ele reconhecido. Essa relação tem como base laços de amizade e afeto, provocando no policial um desejo de compreender as condições de carência e exclusão familiar/escolar vivenciadas pelos alunos. Estes, ao serem ouvidos e compreendidos pelo policial oferecem a ele o reconhecimento que a sociedade e, às vezes, até mesmo a corporação não lhe dão. Agora, a pergunta crucial: que espaço a escola estaria perdendo? Para a corporação militar é o binômio autoridade-obediência que orienta a formação dos seus membros, porém, para as instituições educacionais o binômio é outro, luta-se pela conquista da autoridade com autonomia.
A escola deve preparar os alunos para conquistarem o ato de pensar. Porém, para que isso ocorra, a escola deve existir em um espaço democrático, de modo a garantir o exercício da profissão de educador, cuja autonomia lhe foi roubada por meio dos consecutivos saques feitos às instituições públicas do país. Vale lembrar a conclusão a que chegaram os professores que lecionavam no sistema escolar público de Nova York, no início da década de 90, quando a preocupação com segurança precedeu a preocupação com a educação. Assassinatos cometidos dentro das escolas fizeram com que se investisse num aparato de segurança altamente sofisticado: controle de acesso, detectores de metal, raio X para revista das mochilas, um sub-sistema para tranca de portas eletromagnéticas, etc... O número de Oficiais da Divisão de Proteção Escolar do sistema público junto às escolas chegou acima de 3000, uma força policial do tamanho de uma cidade como Boston. Apesar de todo esse esquema de segurança, as escolas se tornaram muito mais violentas. O porte de armas e de drogas não eram mais ameaças, contudo aumentaram a violência sexual e os vandalismos graves, como relata Peter Lucas, docente da Universidade de Nova York, em sua pesquisa. Os professores chegaram à conclusão de que os estudantes se escolarizaram na violência, tentando driblar os aparelhos repressivos ou desenvolvendo formas de ataque (promovidas por alunos que eram disciplinados e não violentos, mas que recorreram à violência para se protegerem) contra as gangues que os ameaçavam. Os docentes perceberam também que, em lugar de insistirem por mais segurança, deveriam reivindicar mais professores e programas pedagógicos criativos. Esse exemplo, pode nos ajudar a pensar que a luta dos educadores deve optar por reverter a prioridade da violência dos aparatos de segurança sobre o ensino e a aprendizagem. Investir nesse tipo de escola não é trabalho para burocratas e nem para políticos preocupados com o melhor “ranking” das instituições educacionais, que estão a serviço da lógica de mercado.
Só um lembrete. Quando alguns nazistas foram inqueridos sobre as atrocidades cometidas, eles sempre alegavam que a função deles era acatar ordens recebidas. Ou seja, eram incapazes de pensar sobre decisões éticas. Essa ausência de reflexão, de pensamento provoca perversidades. Até mesmo pessoas consideradas inteligentes, mas que não foram formadas para pensar, cometem atrocidades em nome de um modelo que dita as normas do conhecer e do agir. Por isso, não é de se estranhar os atos bárbaros de jovens de classe média, universitários, que recentemente espancaram uma mulher e depois se desculparam dizendo: “pensamos que se tratava de uma prostituta”. O blog criado por um deles, e logo deletado após a denúncia do espancamento ser noticiada, continha mensagens contra as mulheres. A nossa sociedade de consumo considera os “não vencedores”, os “anormais”, “os frágeis” como lixo que pode ser empilhado ou extinto de modo indiscriminado (tanto faz se for morador de rua, mendigo, índio, favelado, pobre, homossexual, mulher, louco, prostituta, travesti, refugiados de guerra, ou tudo aquilo que representa refugo humano por estar distante do modelo de sucesso criado pelo progresso econômico).

09. Existe desinteresse pela cultura, condições e vidas dos alunos, já que há escolas que rotulam alguns como sujeitos-problemas, como se a escola não fosse co-responsável da forma de ser deles? O que o diretor, o professor e o funcionário devem fazer para erradicar a violência dentro das escolas? Quais seriam as medidas práticas e simples que podem conter esta violência ou mesmo acabar com ela?
R: Uma disciplina homogeneizadora que valha para a escola toda, feita para um conjunto de alunos equivalentes àqueles de um passado idealizado (“dos velhos tempos”), está destinada ao fracasso. Com o advento da escola de massas, há outras regras em jogo que nada têm a ver com a experiência que vivemos no passado. Existe um conjunto de regras tão diversificadas que precisam ser conhecidas para que os educadores descubram os mundos de onde os alunos provêm. É preciso construir práticas organizacionais que levem em conta as características das crianças e jovens que hoje freqüentam as escolas. A organização do ano escolar, dos programas, das aulas, a arquitetura dos prédios e sua conservação não podem estar distantes do gosto e das necessidades dos alunos. Como encontrarmos um equilíbrio entre os interesses dos alunos e as exigências da instituição? É preciso deixar de acreditar que a paz signifique ausência de todo conflito. Empreendimentos que flexibilizem o tempo e o espaço do território escolar, que não excluam a possibilidade de dissidências e nem o debate sobre estas questões, podem dar início ao despontar de uma solidariedade interna que recuse o coletivismo, isto é, a imposição unitária de comandos, e que engendre uma luta pelo coletivo. Ou seja, uma atividade conjunta que rompa o isolamento das pessoas e crie uma comunidade de trabalho capaz de possibilitar a afirmação de outras maneiras de ser, outras sensibilidades, outras percepções, considerando todos os acontecimentos que são rejeitados simplesmente por estarem fora dos padrões institucionais.
Algumas pesquisas também têm demonstrado que se não entendermos a violência que permeia a nossa sociedade não conseguiremos compreender o modo pelo qual as instituições escolares se articulam com a violência presente na sociedade. Esse é um aspecto importante, pois significa que um novo projeto educativo deverá questionar a sociedade de consumo e sua indiferença em relação às desigualdades sociais, a miséria do cotidiano e a nossa subserviência à lógica empresarial de mercado.

10. O professor, em especial da rede pública, alega que ganha pouco e está desmotivado, trabalhando muito e em condições, às vezes, não ideais. Isto ajuda a aumentar a violência e isto é verdade?
R: Professores desmotivados, com baixos salários, que não estão preparados para ensinar nas condições em que a escola se encontra, o descaso das políticas públicas, são fatores que certamente contribuem para o aumento da violência. PORÉM, apesar das escolas públicas estarem em condições adversas, muitas delas realizam, graças a esforços heróicos de seus diretores, professores, funcionários, experiências bastante significativas para a formação dos alunos.

11. Qual a diferença entre conflito e violência?
R: Em termos conceituais não faço essa diferença. Sejam quais forem as modalidades de violência, os conflitos sempre estarão presentes. Isso nos obriga a trabalhar com todas as turbulências do dia-a-dia, localizando as formas através das quais elas se compõem em relação aos limites e às coerções da instituição.

12. A pobreza interfere na violência escolar?
R: Não é a pobreza que interfere na violência, mas o apelo exacerbado de nossa sociedade ao consumo: "Devo subir na vida a qualquer custo, não importam os meios, logo, roubo não para sobreviver, ou para ajudar a minha família, mas para conseguir os bens que me qualificam como um cidadão de 'primeira classe'”.

13. O medo é um sentimento generalizado na rede pública de ensino. A senhora acha que isto não acaba colaborando para a não-ação?
R: Fala-se em “fobia escolar”, contaminando as relações entre professores e alunos. Reportagens veiculadas pela mídia têm anunciado a respeito de professores que lecionam em escolas públicas e particulares e que estão abandonando a profissão por não suportarem a agressividade dos alunos. Nas escolas privadas, principalmente naquelas onde o “freguês sempre tem razão”, diretores e coordenadores ignoram as queixas dos docentes e impedem que alunos, considerados indisciplinados, bagunceiros sejam punidos. Com relação às escolas públicas há relatos sobre alunos que ameaçam professores, principalmente quando estes tomam atitudes mais enérgicas em sala de aula ou quando “atrapalham” a vida de alunos ligados ao narcotráfico e que tentam vender drogas dentro da escola (isso pode acontecer tanto na escola pública quanto na particular). Há também maus tratos dirigidos aos alunos, principalmente nas escolas públicas, desde agressões verbais até castigos que não deixam marcas no corpo. Deparamo-nos então com situações-limite. Suporta-se a indisciplina dos alunos para manter o número de matrículas e garantir mais lucros aos donos das escolas particulares, para proteger a vida de professores ameaçados por alunos usuários/traficantes de drogas ou que se revoltam com a falta de perspectiva que o futuro lhes reserva. Em outro extremo, os alunos são rigorosamente punidos de modo a fazer com que os limites impostos pela instituição sejam acatados.

14. Por favor, fale um pouquinho das pesquisas da senhora sobre este tema.
R. Na pesquisa que publiquei sob o nome “Vigilância, Punição e Depredação Escolar” (publicada em 1985, pela Ed. Papirus), analiso como o poder penetra e se ramifica no conjunto da vida escolar, através dos controles, regulamentos, mecanismos de vigilância e de punição. Numa outra, realizada em 1989, e intitulada “A dinâmica da violência escolar: conflito e ambigüidade” (publicada em 1996, pela Ed. Autores Associados) estudo mais detalhadamente as várias modalidades de violência e a forma de sua dinâmica nas escolas pesquisadas.
Junto ao VIOLAR: Grupo de Estudos sobre Violência, Imaginário e Formação de Educadores – da Faculdade de Educação da Unicamp, coordenado por mim e pela profª Dirce Djanira Pacheco e Zan, orientei o projeto coletivo (já finalizado): O Imaginário da Violência e a Escola. Essa pesquisa se propôs a investigar como as imagens fílmicas, poéticas, literárias, pictóricas, expressas nas histórias, mitos e ritos da cultura escolar, produziam e reproduziam o imaginário da violência e com elas uma (re)construção da história pessoal e coletiva dos que habitam a escola. Tentamos perceber como essas imagens ampliavam a visão sobre a violência, criando margens de liberdade, ou um espaço intersticial, no qual uma parte da existência individual e social pudesse se expressar para uso da imaginação, dissolvendo o que estava solidificado. Realizamos oficinas em algumas escolas e outras instituições educativas.
Atualmente, o grupo está envolvido na pesquisa intitulada “Juventude, Cultura, Violência e Educação”. Nosso objetivo: fazer um estudo sobre a juventude e suas comunidades, tendo diferentes ramificações conforme o trabalho realizado pelos membros do grupo em Campinas e região.

2 comentários:

  1. eu acho essa entrevista legal até que é bom .
    mas tem coisas que poderia botar,só que você não botou i a resposta que eu quero não esta aqui !
    por isso eu recomendo você a botar uma coisa melhor que as pessoas perguntam com frequencia !

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  2. sofro com o que julgo preconceito devido a estar com depressão e os prefessores e diretores querem que eu dessista sou dependente em uma materia e me sinto humilhada com essa situação acho que esse asunto deveria ser tratado com mais respeito ja que isso é um problema temporario mas que segundo o que me informei pode se tornar definitivo ou deixar grandes sicatrizes em todas as areas humanas. adorei saber que de certa forma não estou sozinha. abraço

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